A Eneva, antiga MPX do empresário Eike Batista, que atua nas áreas de geração e comercialização de energia, conseguiu encerrar o seu processo de recuperação judicial em tempo recorde: um ano e dois meses. O fim do trâmite, aprovado no ano passado pelo juiz do caso e desde lá questionado por credores, foi validado, agora, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
É uma das primeiras decisões de segunda instância que se tem notícia em que há liberação do processo antes do chamado “período de fiscalização”. A Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005) estabelece dois anos – contados a partir da data em que o plano é homologado pelo juiz – para verificar se a empresa devedora está cumprindo com os pagamentos acordados com os credores. Se nesse período ficar constatado que houve descumprimento, a Justiça pode decretar a sua falência
No caso da Eneva, o plano foi aprovado em maio de 2015 e em junho do ano seguinte, a partir de uma decisão de primeira instância, foi anunciado o encerramento do processo. Porém, contrariado, um dos credores, o Credit Suisse, ingressou com recurso no TJ-RJ. Argumentou que ainda haveria pendências relacionadas ao pagamento das dívidas.
Titular da 4ª Vara Empresarial do Rio, o juiz Paulo Assed Estefan havia considerado, na época, que a empresa tinha cumprido a maioria de suas obrigações antes do prazo. E, para o magistrado, o fim do trâmite judicial não causaria prejuízo aos pagamentos que ainda faltavam ser feitos.
O plano da Eneva está estruturado até o ano de 2028. Nos seis primeiros meses de cumprimento do acordo, porém, a empresa conseguiu acertar as contas com a maioria de seus credores. Liberou um pagamento inicial, com teto de R$ 250 mil, a todos eles (encerrando dívidas trabalhistas e com fornecedores) e fez também o que no mercado é conhecido como “aumento de capital”.
A companhia emitiu novas ações para que credores se tornassem acionistas – convertendo, assim, parte da dívida que detinham. Essa operação, segundo consta no processo, além de aniquilar boa parte do valor devido, representou um incremento de aproximadamente R$ 2,3 bilhões no capital social da empresa.
O saldo foi o pagamento de 120 credores originários. Restaram somente 14 – a maioria instituições financeiras (entre elas, o Credit Suisse). O plano aprovado em assembleia-geral prevê uma forma de pagamento diferenciada a esta categoria restante. Foram estabelecidos quatro anos de carência para o pagamento dos juros e oito anos para os valores principais.
O pedido para reverter a decisão de primeira instância foi julgado pela 22ª Câmara Cível do TJ-RJ. Os desembargadores, por unanimidade de votos, negaram e mantiveram o encerramento da recuperação judicial (processo nº 0474961.48.2014.8.19.0001).
Relator do caso, o desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva destacou que a fiscalização ao cumprimento do plano, após o fim do processo, continuaria sendo feita, mas pelos próprios credores. Ele afirmou também que aqueles que ainda têm valores a receber e não forem pagos como o prometido poderão executar a dívida ou ainda ingressar com pedido de falência da companhia.
Para o representante da Eneva no caso, o advogado Felipe Brandão, do escritório Galdino Coelho Mendes Advogados, não faria sentido manter a empresa “amarrada ao regime da recuperação judicial” por mais tempo. “Porque a lei diz que o processo deve permanecer enquanto existirem obrigações para se cumprir no período de dois anos.”
Ao ter o processo encerrado, acrescenta, a empresa deixa de usar a expressão ‘em recuperação judicial’ como anexo ao seu nome. “E isso faz toda a diferença”, afirma. A companhia, nesse caso, positiva a sua imagem perante o mercado, valoriza as suas ações e volta a ter acesso a crédito.
A decisão dos desembargadores, no entanto, ainda pode ser revertida – caso o Credit Suisse recorra ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os ministros entendam de forma contrária. Até a data do novo julgamento, porém, o recurso, se interposto, não suspende a atual decisão.
É diferente de quando o credor ingressou com a apelação no TJ-RJ contra o que havia decidido a primeira instância. A Eneva, nesse caso, precisou de uma liminar para ter garantido o encerramento da recuperação judicial até que houvesse o posicionamento dos desembargadores.
Discussões relacionadas ao cumprimento dos dois anos de fiscalização, como prevê a legislação que regula os procedimentos de recuperação e falências, ganharam força neste último ano no meio jurídico. Especialmente porque há uma reforma prevista à lei atual, que vem sendo analisada pelo Ministério da Fazenda, e, se levada adiante, poderá extinguir essa determinação. Segundo o texto em estudo, o processo de recuperação será encerrado assim que o plano de pagamento da devedora for homologado pela Justiça.
E, além disso, já há juízes de primeira instância aplicando o novo Código de Processo Civil (CPC) para permitir a aprovação dos planos de recuperação nos casos em que a devedora tenha acordado com os seus credores um prazo menor.
Isso ocorreu, por exemplo, em ao menos três decisões proferidas pelo juiz Paulo Furtado, da 2ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo. Uma delas envolve a Zamin Amapá Mineração, que teve aval para encurtar o prazo para 12 meses.
O entendimento do juiz é que o novo CPC dá poderes para que as partes envolvidas em um processo estipulem, em comum acordo, mudanças nos procedimentos para ajustá-los às especificidades da causa.
Para a advogada Juliana Bumachar, uma mudança de entendimento com relação ao prazo de dois anos não gera prejuízos ao credor, já que ele poderia ingressar com ação ordinária para cobrar o que tem a receber da empresa devedora. E, ao mesmo tempo, beneficiaria a companhia em crise financeira. “O devedor fica com um rótulo por estar em recuperação. Ele fica impedido de ir ao mercado captar crédito ou mesmo negociar mais prazo com os seus fornecedores. Enfrenta muita dificuldade para retomar a sua vida.”
Joice Bacelo – De São Paulo
https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=25313