A fixação de honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica à luz do REsp 2.072.206/SP
O presente estudo tem por escopo analisar a complexa questão jurídica concernente à fixação de honorários advocatícios de sucumbência no âmbito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, notadamente diante da aparente antinomia entre a aplicação objetiva dos parâmetros percentuais estabelecidos no art. 85, §2º, do diploma processual civil e a possibilidade de fixação equitativa prevista no §8º do mesmo dispositivo legal.
A controvérsia em exame adquiriu especial relevância após o julgamento, pela Corte Especial do STJ, do REsp 2.072.206/SP, sob a relatoria do excelentíssimo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O mencionado precedente consolidou o entendimento jurisprudencial no sentido de que o IDPJ, não obstante sua denominação como “incidente”, possui natureza jurídica de demanda incidental autônoma, caracterizada pela presença dos elementos essenciais da ação – partes, causa de pedir e pedido -, razão pela qual resta configurado o cabimento da fixação de honorários advocatícios de sucumbência em hipótese de improcedência do pedido de desconsideração.
Restou assentado na ementa do venerando acórdão:
“O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.”
O paradigma estabelecido pelo sobredito julgado representa inequívoca superação do entendimento jurisprudencial anterior e reaviva o debate doutrinário quanto ao modus operandi da fixação dos honorários advocatícios em IDPJ.
Surge, destarte, a seguinte problemática: deve o magistrado proceder à aplicação vinculada dos percentuais de 10% a 20% previstos no art. 85, §2º, do CPC, ou poderá, invocando a equidade insculpida no §8º do mesmo dispositivo legal, proceder à fixação discricionária da verba honorária, considerando a natureza sui generis do instituto e as peculiaridades do caso concreto?
A dicotomia jurisprudencial na fixação dos honorários: análise dos precedentes pós-REsp 2.072.206/SP
A consolidação do entendimento quanto ao cabimento dos honorários advocatícios no IDPJ pelo STJ não pacificou, contudo, a questão atinente ao modus operandi de sua fixação. A análise dos julgados posteriores ao paradigmático REsp 2.072.206/SP revela uma dicotomia hermenêutica que merece detida investigação.
No julgamento do AgInt no AREsp 2.770.837/PR, sob a relatoria do excelentíssimo ministro Raul Araújo, a 4ª turma do STJ adotou entendimento que privilegia a discricionariedade judicial na fixação da verba honorária. O venerando acórdão fixou os honorários sucumbenciais em valor certo, com fundamento na equidade, mesmo após reconhecer o cabimento da verba em razão da rejeição do pedido de desconsideração.
Assentou-se no julgado:
“Na espécie, os honorários devem ser fixados por apreciação equitativa, sendo que o montante de R$ 7.000,00 mostra-se razoável, adequado às particularidades do caso e serviente para bem remunerar os causídicos de modo proporcional ao trabalho realizado.”
A ratio decidendi deste precedente reflete a possibilidade hermenêutica de o julgador se afastar do critério objetivo estabelecido no §2º do art. 85 do CPC quando configuradas as hipóteses legais previstas no §8º do mesmo dispositivo, tais como a baixa complexidade da questão, a ausência de fase instrutória e o reduzido – ou astronômico – valor econômico envolvido na discussão.
Observa-se que, conquanto o precedente da Corte Especial tenha estabelecido a obrigatoriedade da fixação honorária, a modalidade de arbitramento permanece sob o juízo discricionário do magistrado, devendo este considerar as peculiaridades e circunstâncias específicas da causa sub judice.
Em contraposição ao entendimento supra delineado, houve o julgamento do AgInt no REsp 2.097.210/SP, sob a relatoria do excelentíssimo ministro Antonio Carlos Ferreira que adotou orientação hermenêutica diversa, privilegiando a aplicação objetiva da regra geral insculpida no art. 85, §2º, do diploma processual civil, fixando os honorários sucumbenciais em 10% sobre o valor da causa, em clara aplicação do critério percentual objetivo.
“Quando devida a verba honorária sucumbencial e o acórdão deixar de aplicá-la, poderá o Colegiado, mesmo não conhecendo do recurso, arbitrá-la ex officio por se tratar de matéria de ordem pública (…). Vício sanado e honorários fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.”
Este julgado reafirma o entendimento jurisprudencial no sentido de que, salvo hipóteses excepcionais e devidamente fundamentadas previstas no §8º do art. 85, a fixação dos honorários advocatícios deve observar rigorosamente o critério legal objetivo compreendido entre 10% e 20% do valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa, sendo a equidade uma exceção, e não a regra geral aplicável.
O caso paradigmático do REsp 2.146.753/RN: A questão em aberto
Merece especial atenção o julgamento do REsp 2.146.753/RN, que evidencia a persistência da controvérsia mesmo no âmbito da Corte Superior.
Na ocasião, o eminente relator ministro Moura Ribeiro, proferiu voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso especial, fixando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atribuído ao IDPJ – e não da execução -, em clara aplicação do critério percentual objetivo previsto no art. 85, §2º, do CPC.
Todavia, demonstrando o extremo zelo que lhe é peculiar, o eminente ministro Ricardo Villas Bôas Cueva requereu vista dos autos, considerando tratar-se de caso peculiar e sem precedentes pretéritos específicos, o que demandará análise mais aprofundada quanto aos critérios de fixação da verba honorária no IDPJ.
A contrariedade ao critério da fixação por equidade pode ter forte influência em razão do julgamento do ARE 1.503.603 pelo STF, onde decidiu-se pela inaplicabilidade de fixação de honorários sucumbenciais por equidade em causas entre particulares, devendo-se aplicar os percentuais fixados no art. 85, § 2º, do CPC.
Conclui-se, assim, que, conquanto o STJ tenha consolidado o entendimento quanto ao cabimento dos honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a questão atinente aos critérios de fixação da verba permanece em aberto, caracterizando-se como uma das questões processuais mais controvertidas da atualidade.
A definição clara destes parâmetros contribuirá decisivamente para a efetividade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, assegurando, concomitantemente, a justa remuneração dos advogados e a previsibilidade das decisões judiciais, que resultam em segurança jurídica.
STJ, IDPJ e honorários: Percentual fixo ou equidade? A polêmica ainda vive