A blindagem das empresas em recuperação judicial contra cobranças e penhoras feitas pela Justiça do Trabalho ou por tribunais de outros estados têm sido não apenas reforçada, mas também garantida de forma rápida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Muito embora legalmente seja claro que os valores devidos devam ser pagos nos termos da recuperação judicial, é comum que a empresa seja alvo de alguns atos indevidos de constrição por tribunais diversos, explica o sócio do LCSC Advogados, Matheus Inácio de Carvalho.
Foi o que ocorreu com uma empresa do ramo alimentício que, após ter o plano aprovado pela 2ª Vara Cível de Jacareí (SP), foi alvo de um bloqueio on-line em conta corrente no valor de R$ 331.418,50 por parte da 2ª Vara Cível de São Borja (RS).
Nesse tipo de situação, cabe pedido ao STJ, para que seja resolvido o conflito de competência entre os tribunais. A jurisprudência, inclusive, está consolidada no sentido de que a questão deve ser decida pelo tribunal onde foi ajuizada a recuperação.
É o que destaca o ministro João Otávio de Noronha, em decisão sobre o caso: “A segunda seção do STJ tem reconhecido a incompatibilidade da prática de atos de execução contra a empresa recuperanda originários de outros juízos no curso da recuperação judicial, em detrimento do plano de reorganização”.
Mas nesse caso, Noronha foi além. Ele não apenas remeteu o caso para a vara do município paulista, mas também declarou sem efeitos os atos de constrição realizados pelo juízo gaúcho. Com isso, foi desbloqueada a conta corrente da empresa de alimentos.
Segundo Carvalho, normalmente o STJ apenas determinava qual era o tribunal competente para decidir sobre o bloqueio. Com isso, para que houvesse a liberação, a empresa em recuperação ainda poderia precisar esperar de três meses até mais de um ano.
“O juízo declarado incompetente precisaria determinar a remessa do valor bloqueado para uma conta vinculada ao juízo da recuperação judicial. Então esse juízo precisaria pedir uma guia de levantamento dos recursos. Enfim, são atos burocráticos que podem levar muito tempo”, diz Carvalho.
Mesmo com a decisão antecipada no STJ, ele aponta que a empresa ficou cerca de cincos meses, de dezembro de 2015 até o começo de maio, com os recursos travados.
Para o sócio do Lucon Advogados e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ronaldo Vasconcelos, a decisão do STJ é importante porque abre um precedente para situações similares. “É uma decisão muito positiva, até em homenagem aos princípios de celeridade e eficiência da própria Lei de Recuperação Judicial e Falência”, afirma ele.
Vasconcelos reforça que esse tipo de conflito de competências acontece muito quando surgem penhoras da Justiça do Trabalho. Mas também nessas situações, ele diz que costuma prevalecer o interesse público, pela preservação da empresa, e não a satisfação do interesse individual do trabalhador. Essa tendência de decisão faz com que a maior parte dos casos envolvendo o âmbito trabalhista também seja remetida para os juízos responsáveis pela recuperação judicial.
Na visão de Vasconcelos, a decisão do STJ, que na prática antecipa o desbloqueio, é uma espécie de economia processual. “Após a definição de competência, haveria só mais um estágio. A questão seria julgada pelo juiz da recuperação. O que ocorreu nesse caso é que o próprio STJ já deu a solução.”
Carvalho conta que pelo menos até o momento ele não teve notícia de outra decisão do STJ com esse perfil de antecipação do desbloqueio. Por conta das sérias dificuldades que uma penhora pode causar à empresa em recuperação, ele vislumbra que talvez no futuro o tribunal superior possa começar a conceder esse tipo de liberação já em liminar. Mas pela dificuldade de reversão de tal decisão, ele entende que a chance de liminar é remota.
Roberto Dumke
https://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=21700