O número de pedidos de recuperação judicial vem crescendo em decorrência da crise econômica e de fenômenos ligados ao combate à corrupção, como a Operação Lava Jato, que atingem grandes empresas. A Serasa Experian, por exemplo, registra quase 500 pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre deste ano. Para o advogado Ricardo Sayeg, professor livre-docente da PUC-SP e especialista em recuperação judicial, a lei sobre o tema, que recentemente completou 10 anos, pode abrir espaço para entendimento produtivo entre capital e trabalho com reflexos positivos na economia e sociedade.
Como define a recuperação judicial?
Trata-se de um grande acordo baseado em três pressupostos: legalidade, transparência e segurança jurídica. Facilita a mediação e permite às partes chegarem a bom termo. O administrador judicial tem de criar esse ambiente de legalidade, transparência e segurança, permitindo que devedores e credores atinjam uma situação que facilite a negociação.
Na prática, ela funciona?
Sim. Temos de desmistificar a recuperação judicial, que é um instrumento legal apto a socorrer a empresa em crise. A lei existe para que a empresa possa enfrentar dificuldades, pois é ainda mais difícil encarar a falência. Quando se analisa uma empresa desativada, que parte para a alienação, é evidente que, em um certame público, os preços serão praticados abaixo da avaliação. Existe uma autorização expressa na lei que permite alienação dos bens abaixo da avaliação, pois quem paga é o mercado, independente do que o perito avalia. Já na recuperação judicial, é traçado um plano para o enfrentamento das dificuldades – sair da crise estipulando prazos e condições. É uma solução para o capital, mas também para o trabalho, principalmente neste período de crise que estamos vivendo.
Uma administração judicial pode emperrar?
Quando o credor está desconfiado, levanta barreiras. Já o devedor, por seu lado, de tanto apanhar, fica sem condições morais. A falta de credibilidade de um lado e o receio, de outro, quando estão latentes, prejudicam a negociação. Portanto, costumo orientar no sentido de que o devedor procure um negociador com credibilidade. Muitas vezes, a negociação não chega a bom termo devido à falta de confiança no negociador.
Quem pode pedir recuperação judicial?
O devedor que, no momento do pedido, não esteja falido, não tenha, nos cinco anos precedentes, obtido alguma concessão judicial e não apresente administrador ou sócio controlador condenado por crimes de falência.
Como a empresa pode se enquadrar nesse status jurídico?
Pela formulação de pedido judicial, nos termos do artigo 51 da Lei de Recuperação e Falência, ou seja, expondo as causas, demonstrações contábeis, fluxo de caixa e outras informações.
O que é o princípio da viabilidade da empresa?
Segundo o artigo 47 da Lei de Recuperação e Falência, a finalidade da recuperação judicial é preservar a empresa. O juiz analisa se ela preenche os requisitos do artigo 51 e possibilita sua viabilidade para continuar em atividade, cumprindo função social.
PROCEDIMENTOS
Qual o procedimento exigido?
Elaborar um plano de recuperação judicial, que é uma grande negociação, um ajuste entre devedores e credores para reestruturar o passivo, sendo que prazos e condições dependem da negociação acordada. O plano deve ser acompanhado de laudo de viabilidade econômica.
Existe prazo legal?
Não há prazo. O devedor pode pedir a recuperação judicial sempre que estiver em situação de desequilíbrio financeiro e preencher os requisitos previstos em lei.
Pode haver um plano de recuperação extrajudicial, precedendo o procedimento jurídico?
A recuperação extrajudicial é um instrumento de saneamento das dívidas. Todos os credores se sujeitam ao plano, se aprovado por maioria.
Quais medidas devem ser aplicadas para que a recuperação judicial tenha êxito?
A negociação entre as partes deve ser transparente, democrática, e todos devem estar imbuídos do espírito da recuperação, compartilhando os ônus. O administrador judicial deve acompanhar a recuperação, atendendo determinação do juiz, sendo que a recuperanda fica submetida à fiscalização do administrador judicial e deve apresentar demonstrativos mensais nos autos além do plano de recuperação judicial.
Quando o juiz pode decretar a falência?
Segundo o artigo 73, por deliberação da Assembleia Geral dos credores, se não for apresentado plano de recuperação, ou se for rejeitado, e por descumprimento de obrigações assumidas na recuperação. E quando o devedor não paga no vencimento suas obrigações. Se executado, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens, procede à liquidação antecipada de seus ativos, retarda pagamento ou frauda credores.
Tem algum exemplo que gostaria de citar?
A recuperação judicial da LBR – uma das maiores empresas de produtos lácteos do País. Todo processo de negociação para se chegar ao plano de recuperação judicial foi transparente e teve a preocupação de manter dois mil postos de trabalho. Mais: o acordo previu, de forma inédita, a transferência dos contratos de trabalho para outras empresas sem quebra do vínculo empregatício. Se não tivesse ocorrido a bem-sucedida negociação, havia estimativa de que 100% dos trabalhadores teriam seus vínculos trabalhistas quebrados e 50% deles seriam dispensados, sem que se tivesse a certeza de que receberiam direitos trabalhistas e sociais.
https://noticias.r7.com/dino/economia/recuperacao-judicial-e-saida-para-empresas-em-crise-afirma-ricardo-sayeg-candidato-a-presidencia-da-oab-sp-05112015