Na última semana, o ministro Henrique Meirelles anunciou – via Twitter, que encaminhará ao Congresso, já nos próximos dias, o projeto da nova Lei de Recuperação Judicial e Falências.
Segundo o ministro, a alteração legislativa é fundamental para manutenção do emprego e aceleração da recuperação das empresas em dificuldades, sendo nítido o propósito econômico da legislação.
Contudo, a exemplo de outras normas, a legislação falimentar é de natureza múltipla, regulando, a um só tempo: questões econômicas, procedimentais, administrativas e penais. E como sabemos, a integração entre as questões está diretamente vinculada a efetividade da norma.
E num Estado democrático de direito, é papel do Direito Penal, a proteção de bens jurídicos fundamentais, a exemplo do valor social da unidade produtiva, da estabilidade do crédito e da economia pública.
Nesse ponto, é importante observar que não há no projeto em discussão qualquer alteração na regulação penal atual. Justamente por isso, apontamos a necessidade do debate pela comunidade jurídica, especialmente porque as práticas fraudulentas no âmbito das recuperações judiciais evoluíram ao longo dos últimos anos, sem o correspondente acompanhamento legislativo.
O atual momento é propício para correção de eventuais equívocos e implementação de ferramentas eficazes na apuração e combate de crimes com efeitos tão danosos para a nossa economia.
Isso não significa que a alteração de pontos sensíveis da legislação importe necessariamente no enrijecimento de penas ou na criação de novos tipos penais (embora algumas tipificações sejam realmente necessárias).
Para exemplificar matérias que poderiam ser revistas no projeto que será encaminhado ao congresso, destacamos duas regras hoje existentes: a condição objetiva de punibilidade e a unicidade de crimes falimentares.
Hoje, por expressa imposição legal, qualquer das condutas criminosas estabelecidas na lei somente será passível de punição penal caso ocorra a denominada “condição objetiva de punibilidade”[1]. Ou seja: na prática, ainda que crimes previstos na atual legislação tenham sido efetivamente cometidos, a aplicação das penas dependerá de um fator externo ao fato delituoso (ex. decisão judicial de concessão da recuperação ou decretação de falência).
Outra questão que impede a correta punição dos envolvidos: Nossa Doutrina criou, para os delitos recuperacionais e falimentares, a “teoria da unicidade”, segundo a qual, em linhas objetivas, aquele que praticar diversos crimes previstos na lei (ainda que autônomos) responderá somente pelo crime com a pena mais rigorosa em abstrato. Nesse ponto, pertinente seria a expressa vedação legal à aplicabilidade dessa teoria.
Além desses dois exemplos, que hoje funcionam como uma verdadeira “camisa de força” aos aplicadores da norma, outros pontos de semelhante relevância podem ser discutidos, desde que haja a oportuna mobilização social com o objetivo de alertar nossos legisladores sobre sua importância.
Vale lembrar que a boa técnica legislativa recomenda, em assuntos de tamanha importância econômica e social, a criação dos denominados “delitos obstáculos” para impedir a lesão ao bem jurídico tutelado. E no caso da legislação falimentar, absolutamente pertinente a criação desse tipo de instrumento como forma de prevenção de condutas fraudulentas ou temerárias que levem empresas ao estado de recuperação ou falência.
Evidente que a situação de inadimplência não deve, por si só, ocasionar a responsabilização penal dos administradores. Contudo, justamente para proteção dos devedores de boa-fé, a sociedade deve aproveitar esse momento de alteração legislativa para discutir também a necessidade de implementação de ferramentas destinadas à prevenção e combate de atos fraudulentos e que coloquem em risco a própria economia pública.
[1] Conforme Regra do Artigo 180, da Lei 11.101/2005, que estabelece que “a sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei”.
21/09/2017
Autor:
Paulo Abe
Fonte: