A Lei nº 11.101, de 2005 completa dez anos e, nesta década, verificou-se que
apenas uma taxa ínfima de empresas superou efetivamente a crise e voltou a
crescer. Números divulgados pela Serasa Experian com exclusividade para o
Valor indicam que os pedidos de recuperação judicial aumentaram,
concentrando-se sobretudo no comércio e em serviços.
Embora não deixe de ser um avanço em relação ao antigo diploma legal, na
medida em que cria mecanismos que estimulam a negociação entre devedor e
credor a fim de buscar soluções de mercado para a empresa em dificuldades,
a Lei de Recuperação Judicial ainda tem problemas e vem sendo atacada pelo
resultado obtido nesse período, impondo-se sua necessária alteração, para
que o score possa atingir índices melhores.
Por outro lado, o panorama negativo destes dez anos não invalida conquistas
importantes como o entendimento, firmado na jurisprudência, de que a
regularidade fiscal de uma empresa não autoriza ao Fisco atos de constrição
que comprometam a sobrevivência do negócio, pois a execução fiscal não
pode implicar a redução do patrimônio da devedora ou a exclusão de parte
dele do processo de recuperação, sob pena de frustrar o cumprimento do
plano aprovado pelos credores e a própria recuperação.
Em contraponto, o princípio da
preservação da empresa, norteador do
espírito da lei, não pode ser absoluto nem
servir como pretexto para o
enriquecimento indevido de empresários
ou merecer a complacência do Judiciário
com a má gestão da devedora em
recuperação. A ineficiência da lei é inquestionável, uma vez que, repetimos,
são raros os casos de êxito nesse tipo de processo.
O princípio em questão se aplica a empresas viáveis e com potencial de
soerguimento. Se assim não for, decorre do mesmo espírito da Lei de
Recuperação que a empresa inviável deve dar lugar a outra, capaz de
fomentar a atividade econômica, movimentar o comércio, gerar empregos e
atender ao mercado.
É premente alterar a legislação, para que o instituto da recuperação judicial
não seja desvirtuado e atinja o objetivo proposto pelo legislador quando de
sua concepção. Sugestão conhecida e importante seria a obrigatoriedade de
se criar um comitê de credores quando do deferimento da recuperação
judicial, para que as atividades da empresa sejam fiscalizadas não só pelo
administrador judicial, mas também pelos credores representantes de todas
as classes, principais interessados na revitalização da devedora.
Considerando que a empresa postulante da recuperação judicial não tenha
condições de se reerguer se for mantida a gestão que a levou ao
enfraquecimento, uma alteração relevante seria afastar seus controladores
até a aprovação do plano, substituindo-os por profissionais habilitados a
gerir a crise econômico-financeira instalada, implementando medidas
concretas no sentido de sua preservação.
O que se tem visto é que as empresas em recuperação judicial acabam
despendendo valores expressivos para elaborar os planos que as tirariam da
crise, contratando consultorias especializadas, mas mantendo na gestão e na
concepção das medidas saneadoras de suas atuais dificuldades os administradores que não tiveram condições de mantê-las saudáveis.
Portanto, gastando inocuamente o que ainda sobrou. Isso precisa ser
corrigido e, para tanto, é imprescindível alterar o texto legal.
Os processos são morosos, os planos de recuperação judicial complexos, os
deságios propostos e os prazos de carência para pagamento dos créditos são
abusivos e, não obstante vedação legal de sua extirpação, a supressão das
garantias reais dos credores é recorrente. Assim, não há como negar o
insucesso do instituto.
Nesta década, a corrida de empresas aos tribunais para se valerem da
recuperação judicial como tábua de salvação mostrou que a lei não atingiu o
objetivo que pretendia. Há inclusive empresas que, encerrada a recuperação
judicial e vislumbrando um cenário ainda desalentador, entraram com novo
pedido, com o mesmo objetivo de se reerguer. Seria uma “re-recuperação”.
O atual cenário de crise político-econômica tem impacto direto no
cumprimento dos planos de recuperação judicial que foram aprovados e
homologados no período de maior crescimento do país. Assim, os estudos de
viabilidade econômica das empresas em dificuldades realizados no cenário
anterior podem não mais se sustentar e, diante disso, abre-se caminho para a
perigosa tendência da “re-recuperação” judicial.
A adequada alteração do texto legal concorrerá para que a empresa realmente
viável se recupere, preservando-se a fonte produtora, o emprego dos
trabalhadores e os interesses dos credores e cumprindo-se sua preservação,
sua função social e o estímulo à atividade econômica.
José Roberto Camasmie Assad e Antonio Carlos de Oliveira
Freitas são, respectivamente, advogado do contencioso cível e
sócio do escritório Luchesi Advogados
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