Observamos já há um bom tempo o tema “abuso de direito” permeando o universo das recuperações judiciais,
principalmente em relação às votações.
Para as recuperandas cabe sempre a análise crítica do posicionamento dos credores, baseada nos princípios basilares da
Lei nº 11.101, de 2005, elencados no artigo 47, não se esquecendo do equilíbrio entre a preservação da empresa e o
interesse dos credores.
Para os credores, fica sempre o receio de ter o voto desconsiderado, principalmente quando detém percentual considerável
e/ou posição estratégica para aprovação ou rejeição do plano.
Cumpre ao credor apresentar a objeção ao plano de recuperação de forma bem fundamentada e
objetiva
Observa-se que o Judiciário vem se posicionando no sentido de afastar votos considerados abusivos – tendência também
bem aceita no meio, como se vê no Enunciado 45 da 1ª Jornada de Direito Comercial.
Diante de todos esses pontos, como se ter segurança da aprovação ou rejeição de determinado plano, se os votos podem ser
desconsiderados posteriormente? A resposta para isso pode estar num ponto chave: a fundamentação.
Observa-se que em muitas recuperações judiciais os credores ainda apresentam objeções sem trazer os fundamentos, ou
com fundamentação vaga.
Nas assembleias de credores, observa-se também grande parte apenas se limitando a dizer “sim” ou “não”, não fazendo
qualquer observação acerca do posicionamento.
No entanto, em muitos desses casos os credores têm sim fundamentos sólidos para não concordarem com o plano, porém
deixam de expor tais pontos da forma devida, não deixando claros os motivos pelo posicionamento contrário.
Trata-se de postura equivocada, que prejudica não só os próprios, mas também a todos, até mesmo a recuperanda, que fica
sem saber os contrapontos que poderiam auxiliá-la a modificar a proposta.
Além disso, tal postura pode levar ao limite da desconsideração do voto, sob fundamento de ser abusivo, pois demonstraria
posicionamento contrário até ao próprio procedimento da recuperação judicial.
Analisando os princípios da lei, o que se deve buscar é o equilíbrio: a condição para o êxito da ação é a viabilidade
econômica da empresa, somada a um plano que prime pela razoabilidade, e que mantenha as atividades, os empregos, a
geração de receitas e o pagamento de tributos, não impondo também onerosidade excessiva aos credores.
Diante disso, cabe ao credor a análise e a responsabilidade de se posicionar adequadamente.
Se o plano tiver as características acima, respeitando os pactos anteriormente firmados nos limites do razoável, bem como
a legislação vigente, cabe ao credor buscar o diálogo para um denominador comum, sabendo que as condições originais
não serão cem por cento mantidas, devido a própria dinâmica do processo de recuperação.
No entanto, se o plano não trouxer as características acima apontadas, cabe ao credor se posicionar, apontando à recuperanda e ao juízo todos os aspectos de divergência, sendo eles de cunho legal e/ou econômico.
Cumpre ao credor, portanto, apresentar a objeção ao plano de forma bem fundamentada e objetiva, por mais que isso não
seja uma imposição literal da lei.
Nas assembleias, a postura deve ser a mesma, reportando-se aos termos da objeção apresentada, fazendo com que tal
posicionamento seja consignado em ata.
Abordando desde o início os aspectos de divergência, eventual questionamento relativo à abusividade passa a ser afastado,
posto que tanto recuperanda quanto juízo terão ciência inequívoca do posicionamento do credor. Tendo fundamentos
sólidos, não haverá qualquer motivo para o afastamento do voto.
Por fim, decidindo o credor pela rejeição do plano, além de apresentar suas razões na objeção, reiterando na assembleia e
fazendo constar em ata, deve também, em eventual recurso, reportar-se a todos esses momentos, para que não restem
dúvidas.
Isso trará segurança jurídica ao processo, posto que, mesmo que a discussão seja levada às instâncias superiores, os
fundamentos serão expostos desde o início, dando ao Judiciário subsídios suficientes para a decisão.
Em um processo que tem como fundamento a preservação da atividade econômica das sociedades empresárias viáveis,
com a busca do alinhamento de interesses tão divergentes, a segurança jurídica que essa adequação de postura deve trazer
pode servir como ponto fundamental para aumentar os atuais baixos índices de eficiência e, consequentemente, a
confiança no procedimento.
Fernando Pompeu Luccas é advogado em São Paulo, especialista em direito processual civil pela
PUC-Campinas, direito empresarial pela Escola Paulista de Direito e em recuperação de empresas e
falências pela Fadisp e membro do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Recuperação de Empresas (IBR)
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Fundamentação versus abuso nas recuperações https://www.valor.com.br/imprimir/noticia/4241192/legislacao/4241192…
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