No distrito industrial de Campinas (SP), os trabalhadores mais antigos da Mabe, fabricante de fogões das marcas Dako, GE e Continental, ainda se lembram da época em que bastava passar em frente da empresa e “jogar a carteira pelo portão” para conseguir uma vaga na linha de montagem. O tom leve usado para se referir às últimas duas décadas, quando a produção era próspera, é um raro momento de descontração no grupo que hoje ocupa a fábrica. Com dívidas de R$ 400 milhões, a empresa mexicana faliu no início deste ano deixando para trás duas fábricas e cerca de 2.000 trabalhadores.
O galpão, que agora serve até de moradia para os funcionários sem condições de pagar aluguel, já chegou a produzir, no pico, 11 mil fogões por dia. Mas o imbróglio jurídico e a falta de perspectiva econômica e política tornam imprevisível traçar se, e quando, voltará a funcionar. Por todo o País, movimentos de desativação de fábricas se acumulam conforme a crise se aprofunda e a confiança de empresários e consumidores se deteriora. A recessão não poupa nem as grandes companhias, que normalmente têm fôlego financeiro maior.
O setor industrial, por exemplo, caminha para o quarto recuo em cinco anos – a expectativa é de uma queda de até 7% em 2016. O quadro é tão dramático que dezenas de entidades se uniram para defender o impeachment de Dilma Rousseff. “À medida em que a crise vai se reproduzindo e assumindo um caráter permanente, vai asfixiando a indústria”, afirma Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “Taxas negativas por dois, três anos, começam a levar a um processo de racionalização de custos que compromete o futuro.”
Só no Estado de São Paulo, 4.438 fábricas fecharam no ano passado, número 24% maior do que em 2014. Dados da Juntas Comerciais mostram que 354,4 mil empresas de todos os setores foram desativadas em 2015 no Brasil, o maior número já registrado. A lista de fechamentos dos últimos 12 meses é liderada por segmentos que vêm sofrendo há mais tempo, como o têxtil e o automotivo. Na região do ABC paulista, multinacionais de autopeças como Eaton e Delphi encerraram unidades e concentraram a produção em um número menor de fábricas.
Em Itumbiara, em Goiás, as atividades da linha de montagem de carros da Suzuki, inaugurada há quatro anos, foram descontinuadas. No interior de São Paulo, em Lorena, a fabricante de ônibus Comil suspendeu as operações para fazer frente a uma queda de 50% no mercado em dois anos. No setor têxtil, a recessão atual encontra empresas debilitadas por anos de concorrência feroz com importados. Ao fechar sua fábrica, em Americana (SP), a Polyenka, de filamentos de poliéster, citou a crise atual, a alta dos custos e a inadimplência de clientes.
No grupo catarinense Malwee, o encerramento da fábrica de Blumenau buscou reduzir custos “diante de um mercado tradicionalmente competitivo e de um cenário político instável.” Segundo a companhia, há condições de absorver a oferta nas outras oito unidades produtivas. Casos recentes mostram um aprofundamento para setores que vinham oferecendo maior resistência. A fabricante de massas M. Dias Branco encerrou uma unidade de produção da Basilar, em Jaboticabal (SP), e vai concentrar a atividade em São Caetano do Sul (SP).
Diante do agravamento da crise e a queda na produção industrial, a White Martins decidiu encerrar a fábrica de cilindros, em Barra Mansa (RJ), para se concentrar em seu negócio principal, de gases industriais e medicinais. Na Votorantim Cimentos, a decisão de desligar duas fábricas e transformá-las em centros de distribuição foi pensada com foco na rentabilidade, como forma de se antecipar às condições de mercado e garantir a competitividade. Ao mesmo tempo, a companhia preferiu não interromper o plano de expansão que já estava em curso.
Uma nova unidade entrou em operação no final de 2015 e outra está prevista para o segundo trimestre. Para Daniel Randon, vice-presidente de administração e finanças da Randon Implementos, tempos de crise exigem sacrifícios pontuais em favor do negócio como um todo. “A decisão de fechar uma unidade não é uma tarefa fácil, é a última que tomamos”, afirma. “Precisamos pensar na sobrevivência e, às vezes, uma decisão mais rápida nos dá segurança para protegermos o todo.” O grupo, que fabrica de implementos rodoviários a vagões de trem, encerrou a produção na fábrica de Guarulhos (SP), em atividade desde 1965, e interrompeu as obras de uma nova unidade em Araraquara (SP).
Fechar uma fábrica é uma decisão limite. É um movimento de defesa do caixa, para fazer frente à alta de custos e à queda da demanda, como no cenário atual. Mesmo que a consequência imediata seja um aumento de produtividade, pelo desligamento de unidades mais ultrapassadas, no longo prazo, o efeito é nocivo para a capacidade de crescimento do País. “Ter um aumento de produtividade às custas da redução de capacidade é muito ruim”, afirma Cagnin. Aliado a esse fenômeno, o economista chama atenção para um agravante: a redução dos investimentos em modernidade.
“É um processo que vai comprometendo a estrutura produtiva do País.” Além da falta de confiança, o que está por trás desse movimento é a baixa rentabilidade das empresas. No ano passado, o conjunto das companhias com capital aberto teve uma redução de quase 90% no lucro, segundo levantamento da Economatica com 297 grupos. Randon garante que a produtividade e a eficiência são sempre foco dos investimentos, mas não estão imunes aos efeitos da crise. “Apenas somos mais seletivos para podermos preservar o caixa.”
COMÉRCIO E SERVIÇOS O fenômeno do encolhimento passou a ser notável também no varejo e no setor de serviços. Em 2015, quando o comércio teve a primeira queda em 12 anos, cerca de 100 mil lojas foram fechadas, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Grandes redes tiveram de se adaptar a um consumidor com menor renda. A Marisa fechou 12 lojas e encerrou o canal de venda direta. Num movimento mundial, o Walmart reduziu em 60 unidades a operação no Brasil, para fazer frente ao “ambiente econômico do País.”
A rede International Meals Company, dona de marcas como Viena, Frango Assado e Wraps, encerrou 24 unidades em 2015. No setor aéreo, a desvalorização do dólar no momento de queda de demanda empurra as companhias para o enxugamento. No início do ano, a Azul anunciou uma interrupção no processo de crescimento. A oferta de voos foi reduzida em 7% e 17 aviões foram transferidas à recém-adquirida TAP, em Portugal. Diante de um prejuízo de R$ 4,3 bilhões, em 2015, a Gol também teve de agir.
Decidiu cortar em até 18% as rotas e reduzir em 20 unidades o número de aviões previsto para 2016. Com a liquidez ameaçada, a companhia tenta evitar um pedido de recuperação judicial e se afastar de uma eventual falência, para não engrossar as estatísticas recordes. No ano passado, o número de recuperações judiciais (1.287) foi o maior registrado desde 2005 e as falências decretadas (829), o mais alto desde 2008, segundo dados da Serasa Experian. São as empresas sucumbindo a três anos sem crescimento – muitas não conseguiram esperar o desfecho do processo de impeachment.
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