Com a popularização do termo “recuperação judicial” no vocabulário do alto escalão do empresariado brasileiro, um estudo americano pode dar algumas pistas de quais são os fatores que mais influenciam as chances de sobrevivência das companhias que acabam optando por reestruturar suas dívidas por essa via judicial.
O momento é crucial. O ano mal passou da metade e o número de pedidos de recuperação judicial já soma, até julho, quase a mesma quantidade de requerimentos feitos no ano passado inteiro, mostram dados da Serasa Experian. No acumulado de 2016, o volume de requerimentos bateu o recorde da série histórica, que começou em 2005. O número de pedidos concedidos também não tem precedentes – 213 até julho, sendo que a máxima anual é de 2015, com 291.
Outro movimento importante diz respeito ao crescimento de pedidos de recuperação entre empresas de grande porte. Não à toa, nos últimos seis meses o recorde de maiores dívidas entrando em recuperação foi batido duas vezes – a primeira com a Sete Brasil, que levou R$ 19,3 bilhões para discutir com credores na Justiça, e depois com a Oi, uma dívida de R$ 65,4 bilhões.
Nos Estados Unidos, dois pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Lynn LoPucki e Joseph Doherty, se propuseram a mapear fatores que têm impacto estatisticamente relevante no sucesso de grandes empresas que recorrem à recuperação judicial.
O objetivo primeiro era que a fotografia encontrada por eles servisse para identificar mudanças no sistema para melhorar a taxa de sobrevivência das empresas. Em segundo lugar, conseguir um método que permita calcular, no momento em que um caso de recuperação judicial é aberto, a probabilidade de a empresa sobreviver ao fim do processo.
Embora tenha sido feito tendo em vista o modelo americano, especialistas acreditam que os fatores levantados pelo estudo podem ser relevantes para empresas brasileiras. Dentre as dez variáveis com impacto considerável na sobrevivência encontradas pelo estudo, estão a experiência do juiz responsável pelo caso, a capacidade da empresa de acessar dinheiro novo e a pré-negociação com os credores antes de protocolar o pedido na Justiça.
Para isso, eles utilizaram uma grande base de dados de falências da UCLA. “Das grandes empresas de capital aberto que querem permanecer nos negócios com recuperação judicial, apenas 70% têm sucesso. Os ativos das outras 30% são absorvidos por terceiros”, diz o estudo.
O advogado especialista em recuperação judicial Eduardo Munhoz, do escritório E.Munhoz Advogados, diz que avaliar o desempenho da recuperação judicial no país seria difícil, uma vez que boa parte dos casos se dão com pequenas e médias empresas, em processos sem “sofisticação”. Ele lembra que a lei que rege esse processo é nova, de 2005, e avalia que agora é que ela será testada.
Munhoz atribui parte da ideia que se enraizou no país de que recuperação judicial não funciona ao fato de as empresas recorrerem tardiamente à ferramenta. Ele fala de empresas que queimam grande quantidade de caixa tentando negociar diretamente com credores a rolagem das dívidas até chegar a um ponto insustentável em capacidade de negociação e com o caixa já gasto. “A recuperação tem mais chance de sucesso quando a empresa tem capacidade de manter a operação em ordem.”
A importância dessa capacidade aparece de duas maneiras no estudo da UCLA. Primeiro, o levantamento mostra que empresas com resultado operacional (Ebit, ou lucro antes de juros e impostos) positivo no ano antes de entrar em recuperação têm mais chance de ser bem-sucedidas no processo. A relação, dizem os autores, é direta.
“Perdas operacionais talvez sejam caso de conversão para o ‘Chapter 7 liquidation’ [o equivalente à falência brasileira]”, diz o estudo. Além disso, dizem, o devedor precisa ter um resultado operacional suficiente para cobrir seu serviço de dívida após a recuperação para garantir sustentabilidade no longo prazo.
O acesso à modalidade de empréstimo voltada para empresas em reestruturação, conhecida como DIP (Debtor In Possession), também aparece como fator importante. Na base da UCLA, de 416 empresas que receberam o DIP, 336 sobreviveram – ou 72%. Em um universo de 169 que não receberam, 105 tiveram sucesso no processo – 62%. Os pesquisadores avaliam que o financiamento permite que a empresa sobreviva por garantir recursos para que pague pelos custos da operação continuada.
Questionado pelo Valor, LoPucki concorda que o momento do pedido de recuperação importa, especialmente no caso de grandes companhias. Elas contam com credores dominantes que, com a deterioração financeira, tendem a buscar uma melhora de suas posições, muitas vezes às custas de credores menores e das próprias empresas, diz. Se houver desembolso de caixa, a situação fica mais dramática, avalia, pois reduz as opções da devedora no processo.
Outro ponto importante na análise dos dois pesquisadores é o recado que a companhia passa ao mercado quando pede sua recuperação. Se ela anuncia que pretende se desfazer do negócio, sua chance de ser bem-sucedida diminui. “Isso sinaliza uma fraqueza”, dizem. Apenas 41% dessas empresas incluídas na amostragem que anunciaram sua intenção de se desfazer de negócios saíram bem da recuperação.
O trabalho da dupla ainda cita a taxa de juros em vigor um ano antes do pedido ser feito como um elemento definidor de sucesso. A conclusão a que chegaram é de que as empresas têm maior chance de sobreviver em períodos em que as taxas são menores.
A relação se estabelece de duas maneiras: taxas de juros mais elevadas significam maior desembolso para o devedor caso ele vá acessar qualquer tipo de financiamento, como o DIP. Além disso, como uma taxa maior aumenta o custo do dinheiro, ela pode reduzir a quantidade de caixa disponível para a empresa no período da recuperação. “Essa escassez pode afetar o devedor de maneira que não seja mais reversível”, aponta o estudo.
Negociar previamente um plano para o processo judicial também ajuda as corporações, constataram LoPucki e Doherty. Enquanto 40% de quem entrou em recuperação sem nenhum acordo prévio falhou, ninguém que preparou um pacote anteriormente deixou de sair bem da recuperação judicial. A tese da dupla é que nas vezes em que há uma negociação, os credores provavelmente estarão mais alinhados com a companhia e mais propensos a não deixá-la falir.
Outro ponto que pode influenciar o processo é a experiência do juiz que ficou a cargo do processo. Essa é, inclusive, considerada pelos pesquisadores uma das conclusões mais importantes. “Os participantes do sistema de recuperação judicial podem aumentar a chance de uma empresa devedora sobreviver simplesmente alocando os casos com juízes mais experientes.”
Nos Estados Unidos, juízes com maior experiência em recuperações de empresas grandes e de capital aberto estão em Nova York e Delaware. Portanto, casos protocolados nessas duas divisões têm maior chance de sucesso, aponta o estudo. No Brasil, Munhoz acredita que esse lugar poderia ser São Paulo, já que a cidade conta com uma vara especializada em falências e recuperações judiciais.
“O Brasil precisa formar uma cultura em recuperações judiciais e criar uma estabilidade nas regras para aumentar o sucesso dos processos”, comenta Munhoz. “Do jeito que tem sido feito, não dá certo mesmo.”
Por Victória Mantoan e Renato Rostás | De São Paulo
https://www.valor.com.br/empresas/4671979/estudo-mostra-fatores-de-sucesso-em-recuperacao