Diversos países e economias globais nas Américas, Europa, Ásia, África e Oceania vêm, desde março de 2020, editando com êxito e de forma rápida legislações emergenciais, todas destinadas à prevenção e superação da crise econômico-financeira de agentes econômicos.
No Brasil, em linha com o movimento global de edição de legislações emergenciais de insolvência para a prevenção e superação da crise do Covid-19, a Câmara dos Deputados aprovou em regime de urgência o Projeto de Lei nº 1.397/2020, que institui medidas de caráter emergencial destinadas à prevenção da crise econômico-financeira de agentes econômicos e de alteração transitória em nossa legislação de insolvência (Lei nº 11.101/2005). Atualmente, o projeto de lei aguarda aprovação no Senado Federal.
A rápida aprovação de uma legislação emergencial de enfrentamento da crise é um pressuposto para a sua eficácia e efetividade. A título de exemplo, o CaresAct Norte Americano (“Coronavirus Aid, Relief and Economic Security Act – H.R. 748”), a legislação emergencial dos EUA de auxílio,alívio e segurança econômica aos efeitos do coronavírus, visando a solucionar as consequências econômicas da pandemia, foi aprovada no Senado em 25.03.2020 e em entrou em vigor a partir de 27.03.2020.
Os efeitos gerados pela crise pandêmica já são notórios e devastadores na economia de nosso país. Segundo estudo do SEBRAE, publicado ainda no final de março de 2020, o porcentual de 89% das Micro e Pequenas Empresas já apresentavam redução de faturamento(1).A pesquisa mais recente publicada pelo SEBRAE demonstra que a situação permanece grave, com 89% das ME e EPP registrando queda de faturamento em maio de 2020(2). A produção nacional da indústria de veículos automotores observou queda de 99,3% no mês de abril de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019(3).
As estratégias de enfrentamento da crise pelas legislações estrangeiras são bastante semelhantes àquelas apresentadas pelo PL 1397/2020. Dessa forma, ressaltando a relevância para a economia do país da rápida aprovação do referido projeto de lei, passaremos a demonstrar sua consonância com as propostas contidas em legislações emergenciais promulgadas por dezenas de nações e economias globais nos cinco continentes.
O Banco Mundial e a INSOL International publicaram, em 17.04.2020, um estudo denominado “Global Guide”, contendo um mapa interativo e relatório das respostas legislativas adotadas para dar suporte aos negócios em dificuldades por força do COVID-19, em diversas jurisdições das mais relevantes economias mundiais (On 17 April 2020 INSOL International and the World Bank Groupjo in tlypublished a Global Guide: measuresa dopted to support distressed businesses throughthe COVID-19 crisis).(4)
Com base neste estudo, fica bastante claro que a imensa maioria das jurisdições analisadas, nas Américas, África, Europa, Ásia e Oceania, já haviam adotado medidas legislativas emergenciais de flexibilização de sua legislação de insolvência e de enfrentamento da crise, tais como as regras previstas no PL 1.397/2020.
A fim de facilitar o entendimento e reforçar a posição de que o projeto está em sintonia com as legislações emergenciais adotadas por diversas outras relevantes economias globais, optamos por destacar 4 medidas de enfrentamento da crise pandêmica, a seguir elencadas:
– 1ª) Moratória ou alguma modalidade de suspensão, alívio ou respiro financeiro ao devedor: Alemanha, Bulgária, França, Itália, Espanha, Suíça, Malásia, Singapura, EUA, Argentina, Austrália, Uganda, Nigéria, Quênia, dentre outros.
Em perfeita simetria com as jurisdições mencionadas acima, o PL 1.397/2020 prevê no art. 3º a Suspensão Legal, que implica na suspensão por 30 dias das ações judiciais de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20/03/2020. Ficando vedados, neste período, os atos de excussão judicial, decretação de falência, resilição unilateral de contratos bilaterais.
Importante esclarecer que a Suspensão Legal não se trata de moratória, mas apenas prevê uma suspensão de atos executivos, com o objetivo de se manter as empresas viáveis em funcionamento e concedendo algum tipo de alívio financeiro para se equilibrar o relógio econômico com o relógio financeiro destas empresas e, ao mesmo tempo, possibilitar um ambiente favorável de negociação entre credor e devedor, suspendendo-se a possibilidade da excussão de ativos essenciais do devedor durante o período de tentativa de negociação ou de obtenção de financiamentos.
– 2ª) Suspensão do direito de pedir falência ou medidas que excepcionam e flexibilizam os procedimentos de insolvência: Alemanha, Itália, Espanha, Suíça, Turquia, Índia, Singapura, Austrália, dentre outros.
Igualmente, o PL 1.397/2020 estabeleceu em seu artigo 13, II, que durante o período de sua vigência, o limite mínimo para a decretação da falência, para efeito do inciso I, da Lei nº 11.101/2005, foi elevado para R$ 100.000,00, verificado na data do pedido de falência.
Em acréscimo, o inciso III, do mesmo artigo 13 do PL 1.397/2020, também previu a suspensão da convolação de recuperações judiciais em falência, por descumprimento de obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, na forma do inciso IV, do art. 73, da Lei nº 11.101/2005.
– 3ª) Medidas de Incentivo a Procedimentos de pré-insolvência, negociação ou workouts: Austrália, China, Hong Kong, Índia, Malásia e Singapura, dentre outros.
Inúmeras jurisdições e economias globais têm buscado incentivar a adoção de procedimentos de pré insolvência e de negociação (a exemplo dos workouts), encorajando os credores a celebrar acordos com os devedores afetados pela crise do Covid-19, especialmente quando se envolver mero diferimento no pagamento das dívidas.
No mesmo sentido, o PL 1.397/2020 retratou no texto legal o seu ímpeto de incentivo aos procedimentos de pré insolvência por meio da criação da “Negociação Preventiva”, um procedimento de jurisdição voluntária, destinado à superação consensual de controvérsias que envolvam agentes econômicos atingidos pelos efeitos da crise do COVID-19. Após o ajuizamento da negociação coletiva, ocorrerá a imediata suspensão de execuções judiciais e atos de constrição, por 90 dias, na forma do art. 3º do mesmo projeto, bastando que o agente econômico demonstre, objetivamente, que sofreu redução de 30% ou mais de faturamento, comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior, subscrito por profissional de contabilidade.
Durante os 90 dias do período de stay concedido no ato da distribuição da negociação preventiva, o devedor e seus credores terão ampla liberdade para firmarem acordos individuais ou coletivos, com paridade de armas, isto é, sem que o devedor sofra a ameaça ou o risco efetivo de ter um ativo essencial constrito ou excutido por ordem prolatada em execução judicial.
Em recente artigo publicado no blog da Faculdade de Direito da Universidade de Oxford, defende-se a estratégia de utilização de procedimentos de pré-insolvência com intervenção mínima (Light Touch Administration) a fim de se evitar o uso desnecessário de procedimentos de insolvência, como forma de preservar a funcionalidade do Poder Judiciário. É possível, ainda, se extrair a mens legis da negociação preventiva prevista no PL, cujo excerto é transcrito literis, com tradução livre em nota de rodapé:
Different countries have adopted various strategies to prevent or delay initiation of insolvency proceedings and protect businesses in the wake of the Covid-19 Crisis. This has previously been discussed here on this blog. To summarize briefly, efforts are being made to provide direct financial aid (by way of loans and grants) and/or steps are being taken by way of emergency legislation to prevent ‘unnecessary’ insolvency proceedings. The overall aim of these strategies is to provide businesses with protection, albeit temporary, from creditor action. (5)
– 4ª) Suspensão de ordens de despejo ou algum tipo de alívio aos locatários: Etiópia, África do Sul, Austrália; Singapura, Tailândia,Polônia, Alemanha, dentre outros.
Embora na versão originária do texto do PL 1.397/2020 tenha restado prevista a vedação do despejo por falta de pagamento, a norma em questão acabou sendo disciplinada no Projeto de Lei nº 1.179/2020, também demonstrando o alinhamento da legislação brasileira de enfrentamento da crise pandêmica com outras jurisdições.
Com efeito, a análise do relatório Global Guide do Banco Mundial e INSOL International, demonstra à exaustão que o PL 1.379/2020 está em simetria com as legislações de insolvência para enfrentamento da crise das principais economias globais, fator que reforça ainda mais a necessidade de uma célere tramitação e aprovação do texto legal.
Portanto, concluímos que o advento de uma legislação emergencial de enfrentamento da crise, tal como o PL 1.397/2020, é uma medida imperiosa para o reforço das ações governamentais de superação da situação de absoluta excepcionalidade gerada pela pandemia do COVID-19 e está em compasso com a legislação de inúmeras jurisdições e economias globais.
Notas:
(1) https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/impactos-da-covid-19-nos-pequenos-negocios,996cae5378651710VgnVCM1000004c00210aRCRD
(2) http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/86-dos-pequenos-negocios-que-buscaram-credito-nao-conseguiram-ou-aguardam emprestimo,f8442c5183d22710VgnVCM1000004c00210aRCRD
(3) https://g1.globo.com/carros/noticia/2020/05/08/producao-de-veiculos-no-brasil-cai-99percent-em-abril-diz-anfavea.ghtml
(4) http://insol-techlibrary.s3.amazonaws.com/e98b7604-ebf5-4bd0-8914-c4e3352bd5a4.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAJA2C2IGD2CIW7KIA&Expires=1591533978&Signature=A122AgkdstfByarjUOpvfXRVWbU%3D
(5) https://www.law.ox.ac.uk/business-law-blog/blog/2020/05/covid-19-and-insolvency-case-light-touch-administration
Tradução livre: “Diferentes países adotaram várias estratégias para impedir ou retardar o início de processos de insolvência e proteger as empresas após a crise de Covid-19. Isso já foi discutido previamente neste blog. Para resumir brevemente, estão sendo feitos esforços para fornecer ajuda financeira direta (por meio de empréstimos e concessões) e / ou estão sendo tomadas medidas por meio de legislações de emergência para evitar processos de insolvência “desnecessários”. O objetivo geral dessas estratégias é fornecer às empresas proteção, ainda que temporária, contra as ações do credor.”