30 de agosto de 2015, 7h30
Por Leonardo Adriano Ribeiro Dias
Questão fundamental para empresas em recuperação judicial é o acesso ao crédito, que, via de regra, cessa com o deferimento do pedido. Porém, novos recursos são essenciais principalmente nos primeiros estágios do processo, para conferir liquidez e preservar o negócio até a votação do plano de recuperação. Nos Estados Unidos há um sofisticado mercado para o chamado Debtor-In-Possession (DIP) Financing, facilitado por uma série de fatores legais e culturais.
No Brasil, a Lei de Recuperação e Falência confere dois incentivos a quem continua fornecendo produtos ou serviços (inclusive crédito) para empresas em recuperação judicial: extraconcursalidade (pagamento com precedência aos créditos concursais) e reclassificação dos créditos quirografários preexistentes para créditos com privilégio geral, no limite do valor fornecido.
No entanto, esses incentivos são insuficientes, pois só podem ser usufruídos em caso de falência. Isso inibe o interesse de potenciais financiadores, que assumem um risco maior emprestando dinheiro a empresas reconhecidamente problemáticas. Além disso, há limitadores culturais, macroeconômicos e regulamentares.
Quanto a esses últimos, a Resolução 2.682/1999, do Conselho Monetário Nacional, que estabelece critérios de classificação de risco de crédito para instituições financeiras, impõe, como regra, classificação única para operações de um mesmo devedor considerando a que apresenta maior risco. Com isso, as empresas em recuperação automaticamente recebem o pior rating, levando o banco a provisionar 100% do valor de eventual novo crédito, o que torna a operação bastante onerosa.
Entretanto, o artigo 3º da norma permite que, excepcionalmente, seja adotada classificação diversa para determinada operação, observado sua natureza e finalidade, as características das garantias e o valor envolvido. Também deverão ser observadas as políticas internas de concessão e classificação de crédito de cada instituição.
Tais obstáculos levam as partes a negociar vantagens específicas aos credores colaboradores dentro do plano de recuperação judicial. Conforme pacificado pela jurisprudência, essa diferenciação não implica, por si, tratamento injustificado entre credores da mesma classe, mas as condições e os benefícios oferecidos devem estar objetivamente descritos no plano e deve haver tratamento isonômico entre os credores interessados.
A decisão de captar novos recursos é, geralmente, dos administradores do devedor e não da assembleia geral de credores, embora ela tenha competência para deliberar sobre qualquer matéria que possa afetar os interesses dos credores.
Isso porque, conforme prevê a Lei de Recuperação e Falência, quando o devedor é afastado da condução dos negócios, os atos de endividamento, alienação ou oneração de bens serão submetidos à aprovação do juiz, sem a participação da assembleia geral, até a aprovação do plano. Ora, se nessa fase, em que se requer maior prudência na condução das atividades, a assembleia não é requisitada, tampouco deveria sê-lo quando os negócios são conduzidos pelo devedor sob a fiscalização do administrador judicial. Porém, isto não significa que os credores não devam ser ouvidos pelo juiz, em homenagem à transparência que deve nortear todo o processo.
Nesse quesito, é indispensável que a recuperanda sempre decline os termos do financiamento, incluindo sua destinação (em geral, para o curso ordinário dos negócios e não para a realização de investimentos, salvo se previsto no plano de recuperação), valor, taxas, garantias, impacto para os demais credores, hipóteses de inadimplemento e vencimento antecipado, dentre outras. Isso é importante para que sejam identificadas as prerrogativas e poderes concedidos ao financiador, que poderá influenciar a gestão da empresa, indicar membros da administração ou adquirir ativos e participações societárias do devedor, estratégia conhecida como loan-to-own financing.
Quanto à outorga de garantias ao financiamento, a Lei de Recuperação e Falência exige que haja evidente utilidade na operação, reconhecida pelo juiz após ouvido o comitê, quando se tratar de bens do ativo não circulante, salvo para aqueles previamente relacionados no plano de recuperação. Embora a competência para aprovar o gravame seja do juiz, é importante que se permita a manifestação dos credores, que poderão expor pontos relevantes do negócio ou eventual prejuízo que ele possa causar.
Fica claro que os diversos obstáculos e ausência de incentivos concretos ao financiamento de empresas em recuperação dificultam o desenvolvimento desse mercado no Brasil. Apesar desse cenário, todas as operações de financiamento, seja antes ou depois do plano, deverão contar com absoluta transparência das condições contratuais, devendo-se indicar a destinação e o uso dos recursos, além da existência de indícios de viabilidade que a justifiquem — tudo isso com intensa fiscalização do administrador judicial, juiz, Ministério Público e credores.
Leonardo Adriano Ribeiro Dias é advogado da área de Recuperação Judicial do Aidar SBZ Advogados, mestre e doutorando em Direito pela USP, associado do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas e membro da INSOL International. Autor do Livro “Financiamento na Recuperação Judicial e na Falência”.
Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2015, 7h30