Se a jurisprudência vem flexibilizando dispositivos legais para atender a pedidos de empresas em recuperação judicial, não faz sentido exigir rigor na interpretação de dispositivos que restringem o direito dos credores. Assim entendeu a 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao reconhecer que a Caixa Econômica Federal pode votar em assembleias para discutir o rumo de uma empresa de máquinas de alimentos.
A Caixa havia sido impedida de votar em uma assembleia de credores, em outubro de 2017, porque o preposto chegou às 14h01 no local, um minuto depois do horário marcado. Assim, o representante da instituição financeira foi proibido de assinar a lista de presença, teve de assistir à discussão como ouvinte e não poderia mais votar em futuros encontros.
O juízo de primeiro grau havia afastado o impedimento, mas a empresa em recuperação recorreu. O tema gerou controvérsia entre membros da câmara especializada do TJ-SP. Para o relator, desembargador José Araldo da Costa Telles, a lei determina que a coleta de assinaturas na lista de presença é encerrada assim que começam os trabalhos. Ele lamentou o atraso, mas disse que o credenciamento dos interessados foi aberto uma hora antes do início da reunião.
Segundo Telles, “o legislador teve em mira proporcionar estabilidade à sua condução [da assembleia], evitando, inclusive, alterações profundas no quórum, que ocorreriam se recepcionados credores e/ou representantes até o momento das deliberações”.
Equilíbrio de normas
Já o desembargador Ricardo Negrão considerou um “equívoco” aplicar tanto rigor. “A jurisprudência vem flexibilizando ao máximo dispositivos legais para atender aos reclamos das empresas em recuperação, com fundamentos voltados a princípios cuja existência confronta com a expressão legal, como se observa em julgados que aplicam a contagem em dias úteis em matéria não processual e que ampliam o prazo para a apresentação do plano e estendem a mais de 180 dias o prazo improrrogável de suspensão das ações e execução”, afirmou.
Diante disso, Negrão considerou inviável “impor aos maiores interessados regras rígidas a afastar sua participação do cenário assemblear”. Até porque, segundo ele, a assembleia não começa no horário designado, e sim após os preparativos que antecedem o início dos trabalhos. “Não parece crível que a colheita de todas as assinaturas dos presentes tenha ocorrido até o último segundo que antecedeu o badalo das 14h.”
“A regra assemblear é muito simples: após a abertura dos trabalhos [instalação, no caso, prevista para 14h] deve seguir a colheita das assinaturas e a leitura da ordem do dia, prosseguindo-se com os debates e a deliberação. Os presentes que assistem aos debates e se manifestam estão aptos a votar, devendo ser consignadas em ata eventuais ocorrências que possam influir no resultado da deliberação”, escreveu.
O desembargador afirmou que é dever do juiz dirigir o processo recuperacional e assegurar às partes a igualdade de tratamento, por exemplo. O entendimento foi acompanhado por maioria de votos.
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2176849-94.2017.8.26.0000
6 de janeiro de 2018, 7h01
https://www.conjur.com.br/2018-jan-06/atraso-minuto-nao-impede-credor-participe-assembleia