Desde a entrada em vigor da Lei de Falência e Recuperação, é consenso que uma das grandes novidades refere-se à possibilidade da venda de filiais ou unidades produtivas isoladas, com a garantia prevista no parágrafo único do artigo 60 da inexistência de sucessão do adquirente nas obrigações da recuperanda.
Diante do aumento do número de recuperações judiciais e das restrições de concessão de crédito a empresas com dificuldades econômico financeira, percebe-se que o debate acerca deste meio de recuperação, da forma como a jurisprudência vem interpretando-o e das necessárias mudanças é extremamente importante.
A interpretação literal do art. 60 poderia levar a crer que o adquirente somente estará isento do risco de sucessão se a alienação for realizada por leilão, proposta fechada ou pregão (art. 142).
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do agravo de instrumento 0151283-56.2012.8.26.0000, que sustentou que a concorrência é matéria de ordem pública, de modo que a aquisição feita sem a observância de tal requisito não estaria imune ao risco da sucessão.
Contudo, é importante ter em mente que as modalidades de concorrência do artigo 142 integram disposições da lei referentes à falência, processo de liquidação em que a venda do ativo a priori independe da autorização dos credores, e tem por objetivo garantir o maior preço, em proteção aos credores e à massa falida.
Na recuperação judicial, por sua vez, a intenção de venda de ativos da empresa em recuperação, bem como o plano de recuperação judicial podem ser discutidos pelos credores, que poderão opinar e aprovar, portanto, as condições da venda do ativo, assegurando-se a maximização do valor da venda e a satisfação dos interesses dos players envolvidos.
Logo, entender como obrigatória a realização de tais modalidades de concorrência – procedimentos caros e demorados que podem colocar em risco a utilidade da medida, emergencial por natureza – não se coaduna com a interpretação finalística da lei, que busca favorecer o pagamento dos credores, a continuidade da atividade econômica e o cumprimento da função social da empresa.
Entende-se ser fundamental a concessão da mesma oportunidade aos eventuais interessados na aquisição de ativos, de forma isonômica e transparente, na busca do melhor preço pelo ativo. Isto, entretanto, pode ser obtido por métodos mais adequados ao caso concreto, justificadamente autorizados pelo juízo da recuperação ou por ele homologados após deliberação da assembleia -geral de credores.
Já é possível verificar a existência de decisão de nossos tribunais encampando esse raciocínio. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu, no julgamento do agravo de instrumento nº 0854958-41.2015.8.13.0000, que a exigência de hasta pública para a venda de unidade produtiva isolada deveria ser afastada em negócio de alta complexidade e expressiva importância econômica e social, envolvendo empresa de grande porte, com centenas de empregados.
No mesmo sentido, tem-se o agravo de instrumento nº 00141306820158190000 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
A experiência tem demonstrado que muitas das vezes a situação econômico financeira da recuperanda e o negócio por ela desenvolvido não podem esperar a apresentação de plano de recuperação, a realização de assembleia-geral de credores, a convocação e realização da concorrência, o que, de acordo com a letra da lei, poderia indicar um prazo mínimo de 210 dias.
Alguns casos por nós analisados evidenciam que este prazo é muito maior (270 dias, pelo menos). Na recuperação judicial do Grupo OGX, a aquisição da participação na Parnaíba Gás Natural – vendida na condição de unidade produtiva isolada – ocorreu em cerca de dez meses.
No caso do Grupo OAS, foi publicado edital para a venda em leilão de fatia da Invepar quase um ano após o ajuizamento do pedido. Finalmente, na recuperação da Galvão Engenharia o leilão para tentativa de venda de ações da CAB Ambiental demorou nove meses.
Assim, é de rigor que, no caso concreto, sejam sopesadas a busca pela ampla concorrência para suposta maximização do valor do bem com as vantagens de uma rápida venda de ativos, no melhor cenário de concorrência possível no caso concreto, para que o bem não perca seu valor, para que interessados não desistam do negócio e, ainda, para que a recuperanda possa ter condições financeiras de dar continuidade ao seu processo de recuperação e pagar suas dívidas.
Renata Oliveira e Bruna Mendes são, respectivamente, sócia e advogada do Machado Meyer
https://www.valor.com.br//legislacao/4653641/aquisicao-de-ativos-de-recuperandas