Muitas dúvidas surgem a partir do momento em que uma empresa entra em recuperação judicial, notadamente, quanto aos atos processuais que envolvem as discussões dos créditos listados no processo.
Nesse sentido, ao identificar que uma empresa devedora encontra-se em recuperação, o primeiro procedimento que o credor deve adotar é confirmar se o crédito listado na RJ está elencado no valor e na classe correta, sendo que, créditos de natureza trabalhista pertencem a classe I, créditos com garantia real — classe II, créditos de natureza diversa as anteriores são considerados quirografários e são enquadrados na classe III, créditos que envolvem microempresa são listados na classe IV.
Feita referida conferência, encontrando-se divergência ou de valor, ou de enquadramento da classe, o credor deverá ingressar nos autos e apresentar divergência de crédito ao administrador judicial.
A divergência de crédito funciona como a primeira insurgência do credor, junto ao valor que a empresa em recuperação judicial informou que lhe deve, e configura na possibilidade de adequação regular do crédito, ainda na fase administrativa, sendo apresentada diretamente ao administrador judicial, por e-mail, contendo as divergências que deverão ser suprimidas.
Quando do pedido de recuperação judicial, a empresa, obrigatoriamente, deve apresentar a chamada “lista inicial de credores”, documento que tem o condão de demonstrar ao judiciário a extensão das dívidas da empresa, pormenorizando todos os créditos, em suas devidas classes, valores e origem.
Quando o juiz defere o processamento da RJ, com base no artigo 7º da Lei de Recuperação Judicial e Falência, o administrador judicial nomeado inicia a fase de “verificação dos créditos”, com base nos documentos e livros contábeis da empresa.
Após findadas as análises, é publicado o primeiro edital de credores (artigo 52, §1º), contendo as apurações iniciais do administrador, bem como informações sobre o endereço eletrônico para onde devem os credores enviarem suas “divergências administravas de crédito”. *no prazo de 15 dias corridos contados da publicação do referido edital*.
É imprescindível que o credor anexe, no ato da divergência administrativa, toda documentação que julgue pertinente, a fim de comprovar o que se alega, uma vez que essa insurgência servirá como “base” para construção de toda tese futura, caso seja necessário “judicializar” a apuração dessas diferenças, através da habilitação de crédito/impugnação judicial.
Após este prazo, o administrador judicial tem o prazo de 45 dias para julgar as divergências apresentadas pelos credores, podendo, ao fim, alterar valores, retificar classes, excluir ou incluir credores, e ao fim dessa segunda análise é que será publicado o edital no Diário Oficial do Estado, indicando nesse ato, local onde os credores poderão ter acesso às informações que fundamentaram o julgamento das divergências administrativas enviadas ao administrador.
Com a publicação desse edital, encerra-se a fase administrativa, dando início a fase judicial, de habilitações e impugnações de crédito.
A divergência administrativa de crédito é importante, pois pode evitar que o credor tenha que enfrentar procedimento judicial para que seus créditos sejam devidamente incluídos, ou realocados na classe correta.
Além disso, na fase administrativa não se incide custas processuais, trazendo um benefício para econômico ao credor.
Outro benefício importantíssimo da divergência de crédito, refere-se aos credores quirografários, pois estes credores votam de acordo com o valor do seu crédito, sendo certo que quanto maior o valor envolvido, maior será o poder de “mando” nesta classe.
No caso da recuperação judicial das Americanas, por exemplo, os dez maiores credores são instituições bancárias, as quais certamente irão deliberar a aprovação do plano de acordo com seus interesses.
A reclassificação de créditos quirografários, ainda na fase de divergência, aumenta o poder de voz de credores com valores menores, e se por qualquer razão os credores com valores maiores agirem de forma abusiva forçando uma “quebra”, o juiz poderá aprovar o plano na modalidade “cram down”.
Assim, entendemos que a divergência administrativa de crédito, por ser ato administrativo, que não envolve custas processuais e não exige judicialização, é uma benesse da lei que deve ser aproveitada, tempestivamente, pelos credores que pretendem sanarem incongruências no crédito listado, e no caso de credores quirografários, aumentarem seu poder de representação na classe.
No caso da recuperação judicial da Americanas, o primeiro edital de credores foi publicado em 1/3/2023, findando-se o prazo para apresentação de divergência em 16/3/2023.
https://www.conjur.com.br/2023-mar-13/opiniao-rj-americanas-renovacao-creditos