O Novo Código de Processo Civil (NCPC) – Lei nº 13.105/2015 – trouxe como uma das grandes inovações a positivação de uma série de princípios constitucionais, de modo a garantir às partes amplitude dos direitos e garantias no curso da relação processual, sob a interpretação dos valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.
Nesse corolário foi a previsão do novo codex ao criar o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), previsto em capítulo autônomo (arts. 133 a 137 NCPC), garantindo o contraditório e a mais ampla defesa às partes. De acordo com o disposto no art. 134, § 3º do NCPC, a instauração do IDPJ implicará na suspensão do processo principal. O escopo de referida suspensão tem em vista não se permitir que o processo principal prossiga em descompasso com o incidente, que poderá modificar o polo passivo da relação jurídico-processual, incluindo os sócios e/ou administradores da sociedade como réus em referido processo.
O objetivo deste artigo é contribuir para a solução da controvérsia acerca da obrigatoriedade ou não da suspensão do processo de falência (Lei nº 11.101/2005 – LREF), quando da instauração do IDPJ previsto no NCPC.
A decretação da falência instaura um processo de natureza peculiar – execução concursal -, havendo uma sucessão de atos, em relação aos quais a celeridade e a efetividade se impõem como valor inerente à prestação jurisdicional. Tais atos processuais são de caráter urgente e necessários à preservação e reunião dos ativos da massa falida objetiva e imprescindíveis à formação da massa falida subjetiva, não podendo sofrer qualquer tipo de suspensão ou procrastinação, sob pena de redundar em prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para toda a universalidade de credores.
No processo falimentar não há um contencioso típico, com partes contrapostas, como ocorre nos processos de conhecimento e de execução. Há uma conjugação de esforços de todas as partes e Órgãos intervenientes – Juiz, Ministério Público, administrador judicial, peritos, credores e devedor – objetivando a preservação e maximização do valor dos ativos arrecadados. É certo, pois, que eventuais retardamentos ou procrastinações no trâmite do processo implicarão em prejuízos, deterioração dos bens, perda completa ou parcial do valor dos ativos intangíveis, dentre outras consequências deletérias ao resultado útil e à efetividade do processo.
Destarte, na hipótese de ser requerida a instauração do IDPJ no âmbito do processo falimentar, no escopo de se estender as obrigações da sociedade falida aos seus sócios ou administradores, não nos parece abalizada ou em consonância com os princípios que regem a legislação especial – Lei nº 11.101/2005 – a aplicação da suspensão do processo a que alude o art. 134, §3º do NCPC.
Consideramos que a interpretação adequada da novel legislação processual, em consonância com a mens legis da Legislação Especial (Lei nº 11.101/2005), é pela inaplicabilidade do §3º do art. 134 do NCPC em relação ao processo falimentar.
Referida suspensão é incompatível com o rito do processo falimentar, impedindo a consecução dos princípios e objetivos maiores da falência, ou seja, de maximizar o valor dos ativos e possibilitar a satisfação dos credores na maior escala possível, sem que o processo se arraste por anos, o que acabaria acarretando a deterioração ou perda dos bens arrecadados.
Isso porque, com a sentença declaratória de falência (art. 99, LREF), o Juiz irá nomear o administrador judicial, determinar diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, pronunciar-se sobre a continuidade provisória das atividades do falido, dentre inúmeras outras medidas cabíveis, todas elas de caráter urgente. Na sequência e de forma concomitante, sucederão inúmeros atos essenciais à regular continuidade do processo, a serem praticados pelo administrador judicial, tais como a arrecadação, a avaliação e a alienação de bens, a arrecadação dos livros fiscais e comerciais, com a sua respectiva perícia técnica e, ao mesmo tempo, deverá proceder à verificação e habilitação de créditos da coletividade de credores para a consolidação do quadro geral, elaboração de pareceres contábeis, etc. Ora, é inegável que qualquer suspensão no trâmite deste procedimento acarretaria inegáveis prejuízos à massa falida.
Não obstante, podemos acrescentar que fundado em uma interpretação literal do caput do artigo 134 do NCPC, também seria possível sustentar a sua inaplicabilidade ao processo falimentar, tendo em vista que o dispositivo é expresso quanto à aplicação do IDPJ em todas as fases do “processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial”. Portanto, considerando que o processo de falência está previsto em legislação especial, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses expressamente prevista no caput do art. 134, conclui-se, como argumento de reforço, pela sua inaplicabilidade ao processo falimentar.
Concluímos, assim, como manifestamente incompatível com o rito do processo falimentar a suspensão cogente prevista no art. 134, §3º do NCPC, razão pela qual sustentamos que em virtude de se tratar de um procedimento previsto por legislação especial, a referida suspensão será inaplicável ao processo de falência quando da instauração do IDPJ.