O Ministério da Fazenda tem coletado propostas formuladas por especialistas para a primeira reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Entre as sugestões consta, por exemplo, um novo tratamento aos créditos com garantias de natureza fiduciária (em que o bem é a garantia do empréstimo) – hoje fora dos planos de reestruturação. Há ainda pretensões de alterar o tempo de duração do processo e a forma de remuneração dos administradores.
As sugestões são de membros de um grupo de trabalho criado pela Fazenda no fim do ano passado para estudar e propor medidas de aprimoramento às regras atuais. São 21 profissionais: oito do próprio Ministério da Fazenda, um da Receita Federal, dois da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, um do Banco Central, sete advogados e acadêmicos da área do direito e de economia e dois juízes.
O grupo começará a debater as propostas no fim do mês, em Brasília. O encontro será o primeiro de três que devem ocorrer antes da entrega da minuta com as alterações. Segundo a portaria que criou o grupo, o primeiro relatório será concluído até 20 de fevereiro.
A finalização dos trabalhos está prevista para abril, podendo ser prorrogada por até 120 dias. O texto servirá de base para a elaboração de um projeto de lei.
Especialistas da área entendem que as mudanças são necessárias porque a legislação que trata do tema (Lei nº 11.101), em vigor desde 2005, não prevê situações que surgiram com o passar do tempo.
Um dos pontos sensíveis às empresas em crise financeira, por exemplo, são os créditos com garantia de natureza fiduciária – quase em sua totalidade devidos a instituições financeiras. Os bancos exigem a garantia ao conceder empréstimos ou na renegociação de dívidas.
Pela lei de 2005, esses créditos ficam de fora do processo. O problema, segundo advogados, é que na maioria das vezes eles respondem por mais de 50% das dívidas das companhias e a impossibilidade de inseri-los no plano dificulta a reestruturação.
Membros do grupo de trabalho informaram que o tratamento desses créditos será discutido. Há proposta para que sejam inseridos no plano, com classificação específica. “Seriam considerados como prioritários. O plano não deixaria de atender os interesses desses credores”, diz uma fonte.
Outra questão que deverá ser debatida, ainda em relação aos credores não incluídos no plano de recuperação, são as dívidas fiscais. Há proposta, por exemplo, para ampliar o parcelamento desses débitos. O programa lançado pelo governo federal, em 2014, não agradou ao mercado.
A principal crítica é que a Lei nº 13.043 concede às companhias em recuperação um parcelamento pequeno, de apenas 85 vezes, enquanto os chamados Refis da Crise e da Copa deram até 180 meses.
Sobre a recuperação judicial propriamente dita há propostas para que se estabeleça um prazo mais específico para o fim do processo. Hoje, a Justiça entende que o encerramento da recuperação só pode ocorrer se o quadro de credores estiver consolidado – quando a lista com os nomes e os valores devidos a cada um deles estiver fechada. Segundo especialistas, essa é uma discussão que pode se arrastar por anos, pois habilitações de crédito estão sujeitas a recurso e podem chegar aos tribunais superiores.
“Se mantida nesse processo por muito tempo, a empresa vai morrer. A companhia em recuperação carrega o estigma de uma empresa em crise. Não tem acesso, por exemplo, a crédito bancário”, diz o juiz da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo, Daniel Carnio Costa, também membro do grupo de trabalho.
Costa entende que o ideal seria encerrar o processo assim que se esgotasse o chamado prazo de fiscalização de dois anos após a aprovação do plano. “O descumprimento de qualquer obrigação posterior a dois anos, segundo a lei, não gera convolação em falência. Então não há porque mantê-la em recuperação”, afirma.
Sobre o quadro de credores, o juiz diz que na recuperação é importante apenas para o credor saber quanto tem a receber – se a devedora não pagar, poderá ingressar com uma execução. É diferente da falência, que o quadro de credores determina a ordem de pagamento.
Também membro do grupo de trabalho do Ministério da Fazenda, o advogado Thomas Felsberg tem entendimento mais restritivo. Ele defende que o fim do processo deve ocorrer assim que o plano for aprovado pela assembleia-geral de credores. Para Felsberg, o processo deve ser um binário: “Se teve o plano aprovado, é uma companhia recuperada. Mas se ela não estiver recuperada, deve ser liquidada.”
Esse formato evitaria o processo de falência, que, para Felsberg, é um dos motivos para a lei atual não funcionar como deveria. Principalmente pela demora – o tempo médio é de 15 anos. Já a venda das companhias que não conseguiram aprovar o plano, diz o advogado, permitiria preservar empregos, a organização produtiva e a arrecadação de impostos.
Os pedidos de recuperação judicial são cada vez mais frequentes no país. Segundo a Serasa Experien, foram 1.863 solicitações em 2016 – 44,8% a mais que em 2015. Esse foi o maior índice desde a entrada em vigor da lei.
As taxas de sucesso, de maneira geral, no entanto, são baixas. O juiz Daniel Carnio Costa estima que menos de 10% das companhias que entram conseguem cumprir o plano pelo período de dois anos. Por isso, para ele, mais importante do que reformar a lei, é criar condições para que seja bem aplicada.
O magistrado propõe criar varas regionais especializadas. A sugestão é que cerca de 60 juízes cuidem das falências e recuperações do Brasil. “Seriam juízes mais bem treinados e levaria a uma uniformidade maior de decisões. O que traz segurança jurídica e investimentos”. Na vara em que atua, diz, a taxa de sucesso chega a 70%.
O Ministério da Fazenda informou que as posições de membros do grupo de trabalho são opiniões pessoais. “Ainda não há qualquer projeto, anteprojeto ou minuta para o aprimoramento dessa lei que represente a posição do Ministério da Fazenda sobre o assunto.”