[1] Reclamação mais comum nos processos falimentares é a morosidade. São anos para que o credor receba o pagamento dos seus créditos, por vezes décadas. E os vilões dessas mazelas são apontados facilmente como a falta de funcionários, excesso de burocracia, estrutura arcaica do judiciário, não especialização das varas, desatualização dos profissionais, desídia do administrador judicial, falta de vontade. Por que, entretanto, quando existe uma vara especializada de falência, funcionários assíduos e motivados, um Juiz qualificado e um administrador judicial zeloso o pagamento ainda perdura por anos?
Como justiça que tarda não é justiça, o projeto de lei que veio a se converter na atual Lei de Falência e Recuperação procurou gerar eficiência econômica e conteúdo social à legislação. Com esse intuito, o relatório do senador Ramez Tebet sobre o PLC 71/2003 apontava como princípios básicos da nova legislação a celeridade e eficiência dos processos judiciais.
Em razão da celeridade, determinou a Lei falimentar que, logo após a arrecadação, ocorresse a realização dos ativos (art. 139). Não mais se condicionava o início da liquidação ao término da verificação de créditos. Os bens da Massa Falida podem ser prontamente vendidos, independentemente da formação prévia do quadro geral de credores.
A celeridade buscada pelo novo procedimento é complementada pela possibilidade de maior eficiência. A rápida alienação dos ativos permitiria menor deterioração dos bens e menores despesas de conservação, em proveito de todos.
A maior eficiência é também alcançada pela garantia de ausência de responsabilidade pelas obrigações do devedor e pela possibilidade de aquisição pelo melhor preço. Para reduzir o risco das aquisições e obter o melhor preço de venda, os ativos da massa serão alienados independentemente de qualquer ônus ou sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive em relação as obrigações trabalhistas e tributárias (art. 141, II). Os bens, ademais, serão alienados pelo maior valor, em praça única, ainda que por valor muito inferior ao seu valor de mercado, desde que não seja vil (art. 142, §2).
A garantia do arrematante e a possibilidade de preço de aquisição reduzido, entretanto, não criam automaticamente um mercado de aquisição de ativos de devedores falidos. Ainda que totalmente desconectado do texto legal, o pensamento arraigado de que o arrematante de bens de alguma forma participaria do empreendimento pouco exitoso que motivou a quebra ou de que poderia ser responsável pelas obrigações anteriores do devedor tem impedido as aquisições.
Sem que haja as alienações, ainda que todos os agentes do processo trabalhem regularmente e com afinco, não haverá valores para a satisfação dos credores ou possibilidade de o processo chegar a termo.
A segunda dificuldade para o encerramento decorre do procedimento estabelecido para a verificação de crédito. A Lei 11.101/05 criou duas etapas para a verificação dos créditos: uma fase administrativa e uma fase judicial.
Para que o procedimento fosse célere e não sobrecarregasse o judiciário, foi criada uma primeira fase administrativa. Nessa, o falido apresenta a relação nominal dos credores, com a qual será publicado edital que contenha a íntegra da sentença declaratória da falência e a relação dos credores. Nesse edital constará o prazo de 15 dias para os credores apresentarem seus pedidos de habilitações, caso não constem da lista, ou de divergência quanto à natureza de algum crédito ou ao seu montante. As habilitações e divergências serão apreciadas pelo administrador judicial, em 45 dias, o qual publicará novo edital com a relação dos credores.
A celeridade e a simplicidade da fase administrativa contrastam com a morosidade da fase judicial. Após a publicação, os interessados terão o prazo de 10 dias para impugnarem a decisão do administrador judicial perante o juiz.
Nessa fase judicial, antes de seu julgamento, exige-se a intimação sucessiva para manifestação do credor com crédito impugnado, do devedor falido, do Comitê de Credores, do administrador Judicial e do Ministério Público. Outrossim, caso não haja prova suficiente, o magistrado deverá inaugurar a fase probatória, com a fixação dos pontos controvertidos e a designação de audiência de instrução e julgamento, se necessário. Apenas após a produção das provas necessárias é que a impugnação poderá ser julgada pelo juiz universal.
Outrossim, com o intuito social de proteger os credores, a lei garantiu uma multiplicidade de possibilidades para o credor habilitar seu crédito e não estabeleceu nenhuma limitação temporal. Embora tenha perdido a oportunidade de apresentar habilitação para o administrador judicial na primeira fase e seu crédito não tenha sido incluído na relação de credores por esse apresentada, poderá o credor apresentar uma habilitação retardatária.
Essa habilitação será recebida como impugnação, se proposta antes da homologação do quadro geral de credores. Se apresentada posteriormente, deverá ser promovida na forma de ação própria, que tramitará pelo procedimento ordinário perante o juiz falimentar.
Embora possam ser propostas a qualquer tempo, as habilitações retardatárias trazem consequências a esses credores. Dentre os efeitos mais relevantes patrimoniais, esses perdem o direito a rateios eventualmente já determinados. Aos rateios determinados posteriormente às habilitações, os credores retardatários possuem direito e podem, inclusive, requerer a reserva de valor para satisfação de seu crédito a ser habilitado.
Como consequência indireta, todavia, as habilitações retardatárias acabam também por retardar a celeridade almejada no processo. Sem limitação temporal, será iniciado o procedimento sob contraditório e que exigirá a manifestação de todos os interessados e eventual instrução antes do seu julgamento.
Ressalta-se que o pagamento dos credores não se condiciona ao julgamento de todas as impugnações e à consolidação do quadro geral de credores, até porque o quadro geral poderá ser alterado após a homologação com as ações de retificação, ou mediante pedido de exclusão ou reclassificação pelos interessados. Entretanto, para que se possa garantir a paridade entre os credores da mesma classe, o rateio exige que previamente se reserve valores para a satisfação de todos os créditos impugnados, bem como se garanta os pedidos de reservas realizados pelos credores retardatários.
Decerto esse procedimento de verificação de créditos é moroso, ainda mais se forem considerados os milhares de credores de uma sociedade de médio ou grande porte. Contudo, para que se possa realizar os pagamentos a todos ou, caso o montante arrecadado e liquidado seja insuficiente, de modo proporcional ao valor dos créditos de cada classe de credores, é necessário se ter certeza de quem são efetivamente os credores da massa falida e qual a natureza desse crédito.
Esse complexo procedimento, portanto, apesar de moroso e uma das causas pelas quais o processo falimentar demora tanto, é um custo necessário para se garantir a segurança das relações jurídicas e a paridade dos credores.
[1] Texto alterado e que reproduz parcialmente o artigo originalmente publicado sob o título “Por que demora?” na Revista do Instituto Brasileiro dos Administradores Judiciais, v.1, IBAJUD, 2015.
https://profsacramone.blogspot.com.br/2016/11/por-que-demora-tanto-um-processo-de_12.html?m=1