A recuperação judicial é instrumento de manutenção das atividades empresariais, através não só da suspensão imediata das execuções (no período do stay period), mas também e principalmente pela novação das obrigações.
Referida novação é proposta pela empresa devedora na assembleia geral de credores e está sujeita a aprovação destes, nos termos dos artigos 41 e 45 da Lei 11.101/05.
A não aprovação do plano, por sua vez, sujeita a empresa em recuperação a sua decretação de falência, consoante dispõe o artigo 73, III dessa mesma lei, que prevê referida hipótese “III – quando não aplicado o disposto nos §§ 4º, 5º e 6º do artigo 56 desta Lei, ou rejeitado o plano de recuperação judicial proposto pelos credores, nos termos do § 7º do artigo 56 e do artigo 58-A desta Lei”.
Como se nota, então, a decretação da recuperação judicial em falência está sujeita em especial a aplicação da regra prevista no artigo 58-A. Referido dispositivo, por seu turno, ressalta a possibilidade da referida convolação, observada, contudo, a não aplicação dos requisitos previstos no § 1º do artigo 58, que estabelece a possibilidade de concessão da recuperação judicial mesmo quando não aprovada a proposta pela assembleia.
Em outras palavras, a decisão judicial rejeitará o quanto votado pelos credores, decidindo contrariamente, ocasionando assim o instituto conhecido como “cram down”, hipótese em que será proferida decisão contra a vontade dos discordantes, desde que presentes os requisitos supra, dentre os quais destaca-se o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor total da dívida objeto da recuperação e, ainda, na classe dos que votaram contrariamente, o voto favorável de mais de um terço dos credores.
Entendimento do STJ
O e. Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, vem reafirmando a necessidade de se observar de forma fiel o texto da lei, em especial no que se refere a necessidade de cumulação dos requisitos:
“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONCESSÃO. QUÓRUM. INOBSERVÂNCIA. CRAM DOWN. REQUISITOS CUMULATIVOS. NÃO OCORRÊNCIA. DESÁGIO ELEVADO. REJEIÇÃO DO PLANO. ABUSO DO DIREITO DE VOTO. INEXISTÊNCIA. ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. CONVOCAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Apenas em situações excepcionais, quando comprovado o abuso do direito de voto por parte do credor que se manifestou contrário ao plano recuperacional, é possível deferir a recuperação judicial sem a aprovação do plano pelo quórum previsto no art. 45 da Lei n. 11.101/2005 e sem o atendimento cumulativo de todos os requisitos do art. 58, § 1º, da referida lei, para a aplicação do cram down.
1.1. No caso dos autos, não é razoável exigir do credor, titular de cerca de 95% (noventa e cinco por cento) das obrigações passivas da devedora, que manifeste incondicional anuência na redução do equivalente a 90% (noventa por cento) de seu crédito, em benefício da coletividade de credores e em detrimento de seus próprios interesses. Nesse contexto, não restou configurado o abuso de direito na recusa do Plano de Recuperação Judicial.
2. Recurso especial provido para declarar não abusivo o voto de rejeição e determinar a intimação dos devedores para a elaboração de um novo Plano de Recuperação Judicial, a ser submetido à Assembleia Geral de Credores.
(REsp n. 1.880.358/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 29/2/2024.)”.
A abusividade do voto citada no voto supra, por sua vez, é questão recorrente quando há apenas um credor, ou detentor de ampla maioria, em uma determinada classe. Nesse contexto, a análise deve ser feita em cada caso, na medida em que não é possível que se estabeleça um critério objetivo para verificação da existência de voto abusivo ou não. Obviamente, verificada a possibilidade de real manutenção da atividade empresarial e considerando os princípios que baseiam a própria existência do instituto da recuperação judicial, pode ser considerado abusivo o voto contrário do único credor, ou do amplamente majoritário, de determinada classe.
A respeito:
“DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. REQUISITOS LEGAIS. EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. DECISÃO MANTIDA.
(AgInt no AREsp n. 1.551.410/SP, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 24/5/2022)”.
Em síntese, embora a legislação preveja os critérios para a aprovação do plano de recuperação sem a anuência dos credores de forma, completa, não existem estipulações para a verificação do voto abusivo, o que deve ser feito caso a caso.