O moderno sistema de insolvência empresarial brasileiro, baseado na negociação entre credores e devedores, com o objetivo de encontrar uma solução de mercado para a superação da crise da empresa, foi inaugurado pela lei 11.101/05, num momento histórico em que a economia brasileira experimentava um período de crescimento. Nesse sentido, as novidades desse novo modelo não foram efetivamente testadas por quase uma década, época em que as empresas, como regra geral, enfrentavam um momento favorável ao desenvolvimento de suas atividades. Entretanto, a partir de 2015, o cenário econômico começou a mudar radicalmente. O Brasil passou a enfrentar a pior crise de sua história recente. O PIB caiu praticamente 7% nos anos de 2015 e 2016, demonstrando uma retração na atividade econômica comparável à década de 1930 com a quebra da Bolsa de Nova Iorque e a grande depressão. A partir de então, o sistema de insolvência brasileiro foi efetivamente colocado sob um teste de estresse, com os índices de distribuição de pedidos de recuperação de empresas e falências atingindo suas máximas históricas. Percebeu-se, então, a necessidade de aprimoramentos no nosso sistema diante da constatação de que faltavam algumas ferramentas necessárias ao enfrentamento eficaz da crise da empresa, bem como de que outras ferramentas mereciam modificações e aprimoramentos para que pudessem gerar melhores resultados. A reforma do sistema de insolvência empresarial se tornou, portanto, uma preocupação do Estado brasileiro, como pressuposto para que o País pudesse se recuperar da crise de 15/16.
Nesse contexto, o MF, sob o comando do Ministro Henrique Meirelles, criou no final do ano de 2016 um grupo de trabalho para a elaboração de um anteprojeto de nova lei de recuperação de empresas e falências (portaria MF 467/16). Os trabalhos desse grupo – que contaram com a participação de diversos profissionais, inclusive deste autor – resultaram na apresentação do PL 10.220/18. Entretanto, essa primeira tentativa de reforma da lei não encontrou espaço favorável para desenvolvimento, diante do conturbado momento político. Mas não só em razão disso. O texto do anteprojeto não refletia em grande parte as necessidades de mudanças necessárias para a busca da eficiência do sistema de insolvência, razão pela qual perdeu o apoio de importantes setores da sociedade brasileira.
Em 2019, o ME, já sob o comando do Ministro Paulo Guedes, retomou a ideia de prosseguir com a reforma do sistema de insolvência brasileiro. A estratégia utilizada foi a criação de um grupo reduzido de juristas para auxiliar o Deputado Hugo Leal na elaboração de um substitutivo ao PL 10.220/18. O trabalho político do Deputado Hugo Leal, auxiliado tecnicamente pelo grupo de juristas formado por Ivo Waisberg, Pedro Teixeira, Márcio Guimarães e Daniel Carnio Costa, resultou na coleta de sugestões de diversos segmentos da sociedade civil organizada, de Tribunais de Justiça, do STJ e de entidades representativas dos interesses envolvidos nos processos de insolvência. Foi elaborado o texto do substitutivo – que substituiria todos os projetos em andamento na Câmara dos Deputados e que tivessem objetivo de alterar a lei de recuperação de empresas e falências – que tramitou sob o número 6.229/05 (identificação do projeto de lei mais antigo que pretendia alterar a lei 11.101/05). O projeto substitutivo foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado, por onde tramitou sob relatoria do Senador Rodrigo Pacheco sob o número 4558/20. O projeto foi aprovado no Senado – com algumas alterações de redação – e foi sancionado pelo Presidente da República em 24 de dezembro de 2020, com alguns vetos que foram, posteriormente, superados pelo CN. Nasceu, então, o novo marco legal do sistema de insolvência brasileiro, a lei 14.112/20, que deu nova redação à lei 11.01/05.
A reforma da lei de recuperação de empresas e falências aprimorou algumas das ferramentas já existentes e criou outras ferramentas novas. Nesse sentido, a título de exemplo, foram aprimorados o processo de falência, a reabilitação do falido e a recuperação extrajudicial. Por outro lado, foram criados o sistema de pré-insolvência empresarial (mediação e conciliação antecedentes), a constatação prévia, o financiamento DIP, a regulação da consolidação substancial e processual e o sistema de insolvência transnacional.
Mas a reforma do sistema de insolvência não se faz apenas com a reforma do marco legal. Evidentemente, é importante que se tenha uma lei boa e completa para o bom enfrentamento da crise da empresa. Mas para que o sistema seja eficiente, é necessário criar condições para que essa lei seja efetivamente aplicada na prática, podendo-se extrair da regulação legal todo o seu potencial. Nesse sentido, se faz necessário também a realização de uma reforma de aprimoramento do ambiente institucional.
Importante destacar que o Brasil realizou – e continua realizando – uma profunda reforma para aprimoramento do ambiente institucional a fim de propiciar uma adequada aplicação do novo marco legal de recuperação de empresas e falência.
Paralelamente ao movimento de reforma da lei, ainda em 2018, o CNJ, sob a presidência do Ministro Dias Toffoli, criou o Grupo de Trabalho de Falências e Recuperação de Empresas (portaria CNJ 162, de 19 de dezembro de 2018). Esse grupo foi responsável pela apresentação de diversos atos normativos aprovados pelo Plenário do CNJ com o propósito de melhorar a atuação dos magistrados na condução de processos de insolvência, a estrutura do Poder Judiciário para o tratamento dessas causas e a atuação dos administradores judiciais. A título de exemplo, foram resultados desse GT do CNJ a recomendação 56/19, que estimulou a criação de Varas Especializadas em recuperação judicial, falências e direito empresarial de competência regional; a recomendação 58/19, que estimulou o uso da mediação e conciliação em processos de insolvência; a recomendação 63/20, que orientou os magistrados na condução de processos de insolvência durante a pandemia; a recomendação n. 71/20, que orientou a criação de CEJUSCs empresariais pelos Tribunais de Justiça; a recomendação n. 72/20, que orientou a melhor atuação dos administradores judiciais; e a recomendação 10/21, que padronizou e organizou os trâmites para a realização de AGCs virtuais e híbridas. Esse mesmo GT editou a resolução 393/21, que determinou a criação do cadastro de administradores judiciais pelos Tribunais de Justiça, e a resolução 393/21, que estabeleceu regras para a comunicação direta e cooperação entre juízos brasileiros e estrangeiros em processos de insolvência transnacional (adotando as boas práticas estabelecidas pelo Judicial Insolvency Network – JIN). Em 2022, esse GT foi transformado em fórum permanente do CNJ. A resolução CNJ 466/22 instituiu o FONAREF – Fórum Nacional de Recuperação de Empresas e Falências no âmbito do Conselho Nacional de Justiça com o propósito de aprimorar o ambiente institucional de aplicação do sistema de insolvência empresarial brasileiro. O FONAREF editou, por exemplo, a recomendação 141/23, que orienta os magistrados ao atendimento das melhores práticas na fixação dos honorários do administrador judicial. Em maio de 2023, o FONAREF publicou diversos enunciados doutrinários para orientar os Tribunais na aplicação do novo sistema de pré-insolvência empresarial (mediação e conciliação antecedentes).
No âmbito do MP, o CNMP criou um grupo de trabalho para estudar as melhores práticas de atuação dos promotores e procuradores de justiça em processos de recuperação de empresas e falências. Os trabalhos desse GT resultaram na aprovação da recomendação 102/23 do CNMP, que orienta a atuação do MP em processos de insolvência empresarial.
Percebe-se, portanto, que o movimento de reforma do sistema de insolvência no Brasil preocupou-se não só com o aprimoramento da lei (marco legal), mas também com a melhoria do ambiente institucional de aplicação da lei. A eficiência do sistema de insolvência pressupõe que os Tribunais tenham estrutura adequada para aplicação da lei, com varas especializadas e juízes bem treinados e orientados à melhor condução dos processos de insolvência; da mesma forma, há necessidade de que os administradores judiciais sejam eficientes e bem orientados para atuação nos processos de insolvência; também o MP deve ser capacitado para atuar nesse tipo de demanda, com promotores e procuradores bem treinados e com estrutura especializada.
Esse movimento de aprimoramento institucional, que acontece de maneira simultânea à reforma da lei, tem sido fundamental para o sucesso que o Brasil tem conseguido na gestão mais eficiente dos processos de falência e recuperação de empresas.
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