Uma decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe um importante esclarecimento para credores de empresas em recuperação judicial. Em julgamento recente, o tribunal consolidou o entendimento de que os créditos por serviços prestados durante a recuperação judicial, como os honorários advocatícios, devem ser classificados como extraconcursais e pagos de forma prioritária e integral em caso de falência, não se submetendo a qualquer teto de valor.
A decisão, proferida no Recurso Especial nº 2.036.698 – PR, representa uma vitória para advogados, consultores e outros fornecedores que continuam a negociar com empresas em crise, oferecendo maior segurança jurídica e um incentivo para a manutenção dessas relações comerciais vitais.
O Caso em Análise
A controvérsia teve origem em um processo de recuperação judicial de duas empresas agrícolas do Paraná, que posteriormente foi convertida em falência. Um escritório de advocacia, contratado após o deferimento da recuperação judicial para prestar serviços às empresas, pleiteou o pagamento de seus honorários.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) reconheceu que o crédito era extraconcursal, ou seja, constituído após o pedido de recuperação e, portanto, com preferência sobre os credores originais (concursais). Contudo, o TJ-PR aplicou uma limitação ao pagamento, equiparando os honorários advocatícios aos créditos trabalhistas e fixando um teto de 150 salários mínimos. O valor excedente seria rebaixado para a classe dos créditos quirografários, a última na ordem de preferência.
A Lógica do STJ: Diferenciando Créditos Concursais e Extraconcursais
Inconformado, o escritório de advocacia recorreu ao STJ. A relatora do caso, Ministra Maria Isabel Gallotti, acolheu os argumentos do recorrente, reformando a decisão do tribunal paranaense. O ponto central da decisão foi a distinção clara entre as regras aplicáveis aos créditos concursais e aos extraconcursais, conforme estabelecido pela Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/2005).
A Ministra Gallotti explicou que o TJ-PR cometeu um equívoco ao aplicar o artigo 83 da lei, que define a ordem de pagamento e os limites para os créditos concursais (anteriores à recuperação), a um crédito de natureza extraconcursal.
De acordo com o voto da relatora, os créditos decorrentes de obrigações contraídas pela empresa durante a recuperação judicial são regidos pelos artigos 67 e 84 da mesma lei. Esses dispositivos classificam tais créditos como extraconcursais e estabelecem uma ordem de pagamento própria e prioritária, justamente para estimular que terceiros continuem a fornecer bens e serviços à empresa em crise.
A decisão do STJ ressaltou que “a posição privilegiada dos créditos extraconcursais… decorre do risco assumido pelo credor que opta por manter relações com o devedor mesmo diante da sua situação de crise”. Trata-se, portanto, de um “estímulo legal para que se viabilize a continuidade da atividade empresarial”.
Dessa forma, a 4ª Turma do STJ concluiu que não há base legal para a criação de uma subdivisão, como “crédito extraconcursal trabalhista” ou “crédito extraconcursal quirografário”, nem para impor a eles o limite de valor previsto para os créditos trabalhistas concursais.
Impacto da Decisão
Essa decisão do STJ é um marco para o universo da recuperação judicial e falência. Ela oferece um importante precedente que garante maior segurança jurídica aos profissionais e empresas que se dispõem a colaborar com a reestruturação de um negócio em dificuldade.
Ao assegurar que os créditos gerados durante a recuperação judicial serão pagos com preferência e sem limitação de valor em uma eventual falência, o STJ fortalece o próprio instituto da recuperação judicial, cujo objetivo principal é, sempre que possível, preservar a empresa, sua função social e os empregos. A medida incentiva a manutenção da atividade empresarial, pois garante que os parceiros comerciais que assumem o risco de negociar com uma empresa em crise não serão penalizados.